A morte social dos rios
Autor: Mauro Leonel
Apresentação: Aziz Ab’Saber
Prefácio: André Felipe Simões
Fotografias: Sebastião Salgado
O tempo encarregou-se de comprovar os acertos e a agudeza do trabalho de Mauro Leonel, que há vinte anos já demonstrava que a questão ambiental e a econômica eram complementares e exigiam uma resposta inovadora. A primeira década este século trouxe, de fato avanços, mas nos últimos dez anos as tensões sociais e econômicas vem se agravando ano a ano com o abandono da pauta preservacionista e o reavivamento de políticas extrativistas e de ataques às florestas. Nessa nova edição, Leonel dirige sua pena contra a irresponsabilidade de um governo que opõe de maneira mais do que suspeita o desenvolvimento econômico à preservação responsável do ambiente natural. O resultado é conhecido: ruptura, pobreza e desigualdade social.
A edição de A Morte Social dos Rios já em sua primeira edição tornou-se um marco ao romper o consenso superficial existente no discurso ambientalista em torno de ideias como a de um desenvolvimento sustentável que beneficiaria todo mundo ou das consequências da devastação e da poluição que prejudicariam a todos. Ela mostrava que, longe disso, perdedores e vencedores desse embate tinham identidade e condição social bem definidas.
Duas décadas depois, testemunhamos grandes avanços nos aspectos legais, econômicos, sociopolíticos de nossa relação com o ambiente. Nos últimos anos, porém, a hostilidade reacionária mascarada de discurso em favor do crescimento econômico equipara ciência e preocupação ambiental a entraves ao desenvolvimento e despreza toda a experiência recém-adquirida por nossas sociedades em como progredir e preservar.
Daí a importância de republicar esta obra em nova edição atualizada e ampliada, em que Mauro Leonel, contextualizando com rigor e clareza o problema socioambiental entre nós, continua, de maneira brilhante, a fazer jus à máxima de Pierre Bordieu de que é da natureza social a luta permanente para dizer o que é social.
Trecho:
O físico Paulo Artaxo da USP contribuiu para desvendar detalhes sobre a formação de nuvens de chuva na Amazônia, demonstrando o quanto as queimadas comprometem a sua produção. O climatologista Carlos Nobre dedicou-se a identificar a relação entre queimadas e aquecimento global nas secas prolongadas na Amazônia. Demonstrou que o agravamento desse processo levará à savanização da região, com impactos desastrosos à formação de chuvas e em todo o clima da América do Sul. O biólogo Mauro Galetti Rodrigues, da Unesp de Rio Claro, aponta em seus estudos que o processo de “desfaunação”, perda de fauna, tem comprometido a manutenção de florestas. Essas pesquisas foram publicadas em revistas especializadas, como a Science e a Nature. Entretanto, para os senadores Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Marcio Bittar (MDB-AC) isso não significa muito. Em artigo no site Congresso em Foco, negam que o aquecimento global seja causado por ações do homem, que a crise da biodiversidade não existe e que florestas não geram chuvas. Por fim, afirmam que tudo não passa de “ideologia verde, refúgio de esquerdistas”
Sobre o autor:
Mauro Leonel é professor associado livre docente da Escola de Artes e Ciências das Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) e ex-professor da Universidade de Lisboa e da Unesp; fez mestrado em Economia Política na Universidade de Paris e é mestre em ciências sociais pela PUC-SP e doutor em Sociologia pela USP. Foi jornalista, colaborando com os jornais Folha de S.Paulo, Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil. Na década de 1970, na França, trabalhou no Liberation. Atuou ainda no Chile, Portugal (Inter Press Service) e Suíça (Swiss International Radio and Television). Na década de 1980, foi consultor da Fipe-USP, do Banco Mundial, do Pnud e do Fida/Oit/ Onu e é diretor e coordenador de projetos do Iamá – Instituto de Antropologia e Meio-Ambiente, tendo trabalhado também na Bolívia, Peru e Paraguai em políticas públicas e populações tradicionais, dentre outros temas. É autor, entre outros, de Etnodiceia Uruéu-au-au (S.o Paulo, Edusp/Fapesp/Iamá, 1995), Roads, Indians and the Environment in the Amazon –From the Central Brazil to the Pacific (Copenhagen, IWGIA – docto. # 72, 1992), Environment, Poverty and Indians (com Carmen Junqueira e Betty Mindlin; Holanda, Henk van and Llezing, NoviB, 1991).
Sobre a capa:
Em foto de Sebastião Salgado, garimpeiros trabalham às margens e dentro de rio. A devastação e o impacto ambientais causados pela atividade extrativista extensiva e as condições do trabalho retratados mostram por si a importância da pesquisa de Mauro Leonel em suas dimensões social, econômica e ambiental.
Texto de Carlos Walter Porto-Gonçalves sobre o livro:
Considerado de um ponto de vista mais teórico, este livro trata da questão sociedade e natureza, cultura e natureza, como tema transversal e em suas relações com a sociologia, a antropologia e a geografia. Socialmente, recorta-o com o conceito de conflito através do qual diferentes segmentos/grupos/ classes sociais se apropriam (protagonizam para tornar próprio) dos rios. Geográfica e antropologicamente, expõe os diferentes quadros de vida que se forjam na Amazônia, ensejando, inclusive, que se fale dela no plural – Amazônias.
O presente trabalho é de interesse para um vasto público e, ao mesmo tempo, tem um tratamento conforme os cânones da comunidade científica. Dentro do escopo teórico abraçado pelo autor, observa-se um desenvolvimento com coerência, o que confere consistência à sua argumentação ainda enriquecida pelo conteúdo empírico fartamente utilizado. Aqui talvez resida a maior contribuição deste estudo, na originalidade de sua abordagem: ele foge do lugar- -comum das obras sobre meio ambiente, ao tratá-lo abertamente como um tema contraditório.
O modo e o calor com que o autor conduz sua argumentação – insisto –, com forte conteúdo empírico, revelam não só uma rica experiência (pode-se mesmo supor vivência) mas, sobretudo, consistência teórica capaz de ordenar a rica empiria. Para a sociologia, a obra tende a ser uma referência não só por esse rico conteúdo empírico, o que pode agradar uma sociologia de forte inspiração empirista, mas, sobretudo, por oferecer uma alternativa consistente para a abordagem do tema do meio ambiente, incorporando conceitos de uma sociologia não funcionalista.
Oferece, por outro lado, mais do que uma afirmação dogmática dos princípios da contradição, da dialética, do conflito, ao considerá-los no movimento vivo das contradições da Amazônia. A questão, sem dúvida, é um desses temas transversais que se coloca com um desafio à humanidade e, também, à ciência, na medida em que a modernidade tende a com ela se confundir. Nesse debate, a Amazônia se coloca “naturalmente” como o “outro” da cultura no imaginário da modernidade ocidental e, por essa via, como uma referência obrigatória por tudo o que a região abriga de diversidade biológica e cultural. O autor nos permite ainda, dada a complexidade teórica a que se abalançou (a referência a E. Morin é explícita), expor o debate amazônico longe de uma abordagem naturalista, ao propô-la em uma perspectiva antropológica com uma boa aproximação de conceitos sociológicos. Evita, assim, o conceito totalizante e abstrato de cultura a arrastar para o terreno movediço do espaço-tempo em que ele é tecido.
A vigência deste livro é, se me permitem a figura de estilo, a vigência desses conflitos que são atuais porque atuam na atualidade, porque são atos carregados de valores plasmados por populações de origem variada, na forte vivência da expansão da fronteira econômica, no momento histórico iniciado na década de 1970, na Amazônia, que aponta para outra matriz de racionalidade na apropriação de seus recursos naturais.
Uma obra com forte conteúdo empírico corre sempre o risco de comprometer a sua vigência. Todavia, não é este o caso. Embora o que está sob análise, e pelo modo como o está, seja datado, este trabalho se oferece claramente como obra aberta ao debate sobre o futuro da relação que a(s) sociedade(s), e não só a(s) que vive(m) na Amazônia, quer(em) estabelecer com a natureza. No último capítulo [da primeira edição], o autor se permite uma digressão, diga-se de passagem, perfeitamente autorizada por seu mergulho na tessitura das relações concretas, sobre temas mais gerais. Tal estilo recoloca a relação entre ciência e filosofia, entre fato e valor, um diálogo que, de certa forma, o debate ambiental vem fazendo.
A Morte Social dos Rios é um livro indispensável a todos os interessados no debate da questão ambiental e, academicamente, deverá estar presente sobretudo na leitura dos formandos e especialistas em sociologia, geografia, biologia e economia. Pela abordagem dada ao tema, no momento, infelizmente, não são muitos os livros deste calibre. Mesmo se se considere que a Amazônia possui uma bibliografia considerável, este estudo, indubitavelmente por sua originalidade, oferece uma perspectiva que lhe garante um lugar de relevo. A editora, com esta publicação, abre uma perspectiva das mais promissoras numa discussão que estava marcada por um consenso superficial em torno de ideias como o desenvolvimento sustentável, “que beneficiaria a todos”, e o da devastação e da poluição, “que prejudicaria a todos”. Sem dúvida, o livro de Mauro Leonel torna mais rico esse debate, porque traz a contradição para o cerne de uma questão a cujo respeito se fazia um falso consenso. Ele coloca de maneira brilhante a máxima de Pierre Bourdieu, de que é da natureza social a luta permanente para dizer o que é social. [1998]
Carlos Walter Porto-Gonçalves é especialista em questões ambientais, é professor titular da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Coordenador Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades (do Lemto). É autor, entre outros, de A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização (Civilização Brasileira, 2006).
Ficha Técnica:
Autor: Mauro Leonel
Apresentação: Aziz Ab’Saber
Prefácio: André Felipe Simões
Fotografias Sebastião Salgado
Coleção: Estudos (E.157)
Assunto: Antropologia
Formato: Brochura
Dimensões: 13,5 x 22,5 cm
480 páginas
ISBN: 9786555050011
E-ISBN: 9786555050134
Preço E-Book: R$59,00
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