A PALAVRA COMO TERRITÓRIO
Antologia Dramatúrgica do Teatro Hip-Hop
Núcleo Bartolomeu de Depoimentos
Claudia Schapira, Eugênio Lima, Luaa Gabanini, Roberta Estrela D’Alva
Apresentação: Iná Camargo Costa
Introdução: Alexandre Mate
SINOPSE
O teatro hip-hop traduz caleidoscopicamente o movimento e a cultura hip-hop: oralidade, resistência, invenção, mistura, política, música, dança, dramaturgia, improvisação, performance. O palco torna-se uma arena para o desenvolvimento de uma ação dramática completamente envolvida e definida pelas questões contemporâneas, do cotidiano ou dos grandes temas. Este livro celebra vinte anos de percurso do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos e seu Teatro Hip-Hop, tornando impressas palavras, gestos, lutas e emoções que atravessaram as duas últimas décadas no país. Preparando o solo para os próximos vinte anos de luta e muito briho!
QUARTA-CAPA
A Palavra Como Território registra vinte anos do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, desde seu aparecimento em 2000. As quatorze peças encenadas pelo grupo desde então são aqui apresentadas na íntegra e cronologicamente, com imagens originais e os textos dos roteiros da época da encenação, além de ensaios analíticos especialmente escritos para esta edição.
Apesar de sua enorme presença cênica, é também da palavra que parte esse trabalho de pesquisa centrado na junção, e no atrito, de conceitos do teatro épico brechtiano e da cultura urbana hip-hop, o que leva o coletivo artístico a criar uma linguagem teatral inovadora e dinâmica. Suas apresentações giram, por exemplo, em torno do depoimento, da autorrepresentação, da atuação de DJs e de atrizes/atores MCs, que fazem uso do sample, do spoken word (poesia falada) e dos slams (competições de poesia falada) para criar universos e discutir fatos e eventos que nos afetam como sociedade e indivíduos nela. Daí que os textos aqui fixados não poderiam ser mera “imagem congelada” do que foi, mas uma reflexão sobre o que está sendo, parte de uma jornada que está longe de terminar e que expande seu território para além do palco e também destas páginas.
NÚCLEO BARTOLOMEU DE DEPOIMENTOS
Claudia Schapira, Eugênio Lima, Luaa Gabanini, Roberta Estrela D’Alva
Em uma junção do teatro épico com a cultura hip-hop, cuja pesquisa de linguagem iniciada em 2000 deu origem ao teatro hip-hop. O Núcleo surge de forma coletiva e multidisciplinar, reunindo linguagens artísticas à luz da cena teatral para criar o discurso e a estética de suas obras. Em parceria com artistas de diversas áreas ao longo de seus 22 anos de existência, criou espetáculos, intervenções urbanas, projetos audiovisuais e publicações. Recebeu diversos prêmios e participou de festivais brasileiros e internacionais. Pioneiro no poetry slam no Brasil, o grupo criou em 2008 o ZAP! Zona Autônoma da Palavra, e ancora os campeonatos nacional (SLAM SP), brasileiro (SLAM BR), além dos campeonatos internacionais da Rio Poetry Slam, da Festa Literária das Periferias-FLUP, e Abya Yala Poetry Slam – Copa América de Poesia Falada.
Manifesto em Defesa do Território Artístico-Cultural, por Eugênio Lima
(de quando o grupo foi despejado de sua sede, em 2014)
A ARTE DE SEDIAR EXISTÊNCIA
Já é bastante difícil viver em uma sociedade que iguala o direto à vida ao direto à propriedade. Viver em uma sociedade onde, segundo a lei, liberdade e propriedade são garantias igualmente invioláveis sem nenhuma distinção.
E é bem pior (ou muito mais arriscado) quando o direito à propriedade se transforma na eliminação de todos os outros direitos. Quando um “negócio” vira a mercantilização da vida. Quando um “empreendimento” significa expulsão, exclusão. Quando “incorporar” é sinônimo de destruir o patrimônio cultural comum. Quando um apartamento é justificativa para apartar.
O pleno exercício dos direitos culturais e artísticos (e suas formas de expressão) é garantia constitucional e considerado em sua natureza material e imaterial. Faz parte do rol que convencionou-se chamar de patrimônio cultural brasileiro.
Não é possível que o direito aos bens de mercado privado de poucos seja mais importante que o patrimônio cultural de muitos.
Sem cultura não há sociedade. Sem memória não há o que partilhar.
Nós, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, dizemos não a essa lógica indigesta e convocamos um debate público sobre qual é a forma e de que maneira podemos proteger a memória e as formas de criação estética materializadas no território cultural dos espaços–sedes dos coletivos artísticos da cidade de São Paulo.
No nosso entender, não é admissível que os grandes empreendimentos imobiliários destruam o patrimônio cultural dos grupos e sua troca com a cidade, e não proponham nenhum tipo de reparação.
É inadmissível que os empreendimentos cheguem como um “aparato invasor” e não dialoguem com o entorno ou com seus ocupantes. Não há negociação. Há, sim, expedientes que privatizam a discussão, apartando a sociedade e a cidade do debate e alijando os moradores de seu próprio bairro.
É preciso perceber que o que está em jogo é a cidade que queremos. Toda vez que se fecha um espaço artístico, um projeto de interesse público morre em detrimento de um projeto de interesse privado (que prevalece, modifica todo o entorno e sumariamente destrói, naquele território, a troca entre a cidade e a arte, apagando a memória e a criação estética/política daquele lugar).
Qual é o projeto de cidade desses empreendimentos?
Qual é a função social dessa arquitetura?
Qual é o diálogo que existe entre a história do território e esses “prédios”? E, sobretudo: O que a cidade recebe em troca de tal iniciativa?
É de notório conhecimento que o ato de permutar materializa a troca de uma coisa por outra. De toda forma, esse ato passou a se mostrar como uma ferramenta eficiente de mascarar a falta de respeito ao direito de preferência de todo e qualquer inquilino, impossibilitando, mesmo que de forma ínfima, a resistência à destruição.
O que está em jogo é uma cidade.
Diante de tudo isso e, sobretudo, por acreditar que a pólis ainda é possível, que a rua é mar sem fim e que a cidade é o espaço comum para o convívio dos diferentes, nós, do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, afirmamos publicamente que iremos abrir o diálogo com a sociedade através de eventos públicos na nossa sede e em seu entorno, e que mesmo diante das ameaças de despejo permaneceremos aqui, na tentativa de garantir a nossa existência.
Vamos publicamente exigir reparação para que tudo não seja visto apenas como uma “questão de mercado” e que os territórios artísticos culturais possam existir em sua plenitude.
TER SEDE É SEDIAR NOSSOS SONHOS
TER SEDE É TER SEDE POR TRANSFORMAÇÃO
TER SEDE É CONSTRUIR O IMAGINÁRIO CONCRETO
TER SEDE É TER ONDE POUSAR
“Por que não existe outro pouso nem outro lugar de sustento….”
Acreditando que a melhor maneira de lidar com o conflito é torná-lo público, convocamos a quem se sentir tocado a se juntar a nós nesta odisseia.
Quem sentir verá. Quem sentir será.
Att. Núcleo Bartolomeu de Depoimentos
DA CAPA
Imagem da capa: uma colagem de cenas do grupo em múltiplas ocasiões.
Diversidade, visualidade rica e impactante, inventividade são apenas algumas das qualidades que cercam as apresentações do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos em seus espetáculos.
TRECHO
DA INTRODUÇÃO
Alexandre Mate
Fosse ou não o determinante, a deliberação por fazer constar a palavra “depoimentos” no nome do Núcleo configura-se em dado absolutamente manisfesto de um percurso estético que colige o narrativo e o púbico como peças inaugurantes e moventes de um território de investigação estético aprofundado. De outro modo, e tomando uma reflexão de Bertolt Brecht, o mais épico dos territórios da vida civil são os tribunais e suas sessões de julgamento. Em tais sessões, todos os sujeitos, de diferentes modos e a partir de convenções explícitas, ganham a condição de personagens e representam conflitos repletos de “golpes” e lances emocionais, às vezes contando com contradições, acasos e potente capacidade improvisacional. Durante as sessões, os sujeitos julgados encontram-se sub judice (aguardando uma deliberação judicial), portanto trata-se de um sujeito que, naquela circunstância, perdeu seus direitos civis: está interditado. Algo pretérito será investigado no presente por meio de pontos de vista diferenciados. Em razão de tal consideração, o conceito, sob uma aparente amplitude quanto ao uso, é ambíguo, a despeito de ser utilizado largamente como uma manifestação de si, sobre qualquer assunto. Sem entrar em camadas de achismos, penso ser importante trazer à tona que Brecht pensava o espetáculo teatral como uma assembleia que, por meio de uma linguagem simbólica, estaria apta a expor as questões urgentes e a tomar partido acerca de quaisquer temas públicos e significativos, sobretudo aqueles que enfocassem assuntos complexos e espinhosos, mas determinantes para a vida civil, como a luta de classes.
De certo modo, tendo em vista as proposições formais que vêm sendo apresentadas nos espetáculos do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, a utilização no nome do coletivo, por sua natureza jurídica, de diferentes formas “transmigra” e reconfigura-se teatralmente. A principal “coerência”, portanto, quanto ao uso do conceito concerne ao fato de o Núcleo transitar com a criação de experimentos estético-histórico-épico-sociais. Nas obras da primeira fase, e em progressão ampliada, o uso de expedientes épicos se amplia pelos aprofundamentos da pesquisa – coligindo a forma estética e ancestralidades – e também pelas parcerias que vão sendo estabelecidas com outros coletivos teatrais. Então, sem aprisionamento programático ou estético, os expedientes do teatro épico ganham tinturas e conduções bastante dialéticas, mas a partir de novas demandas da contemporaneidade.
DO LIVRO
trecho da peça
Cindi Hip-Hop: Pequena Ópera Rap
Vila Bocaina, Nova Mauá,
Itapark, Oratório.
Quem vai?
(música tema)
Bumba meu barco, bumba que eu vou navegar
Não sei se eu levo a vida ou se é a vida que quer me levar
Bom-dia gente que vem e vai
Subam neste bonde da história
Pra fazer as suas correrias
A rua é o mar por onde todos navegamos
Seguimos um pouco à deriva
Sem saber por que nem aonde vamos…
Dia e noite, noite e dia
Somos companheiros dessa estrada-oceano, tá ligado?
Colegas de labuta, amigos anônimos,
Caminhamos lado a lado
O busão é o barco onde viajamos
Vocês vão e vêm nessa cidade de mar, vivendo,
Enfrentando a tempestade ou a calmaria
Fazendo o possível e o impossível
Sobrevivendo!
E eu assisto como um anjo invisível
Anoto minhas impressões
Faço de vocês passageiros-marinheiros de tantas viagens,
Personagens das minhas histórias de água
Lendas urbanas, com mitos de carne e osso
Cansados, apaixonados, sacanas, endividados até o pescoço
Matéria-prima do meu olhar cotidiano
Que segue as pegadas de areia dos passantes
E transforma a vida como ela é em obra de arte
Bumba meu barco-existência
Ruma no meio do caos
Nado fazendo meus corres
A rua é a praia de quem pode mais!
Zaíra 1, 2, 3, 4, 5, 6
Vila Bocaina, Nova Mauá
Itapark, Oratório
Quem vai?
Sou bom ou não sou? É isso aí! Todo dia esse refrão: “Zaíra 1, 2, 3,
4, 5, 6, Vila Bocaina, Nova Mauá, Itapark, Oratório. Quem vai?” Há seis
anos bato esse refrão, é quase uma oração. Pensa o quê? Esse trabalho me
deu tudo nessa vida: me deu sustento, me deu dignidade, me deu moral,
me deu cultura, tá ligado? Me deu virar homem, sabe como é?! O primeiro
beijo… Ali, bem pertinho do cemitério… A gostosa transitava meu pedaço todo dia, e eu só babando, pensando como ia dar o bote…
Esse negócio de viagem deixa a gente assim meio filósofo, cheio das
ideias, sabe como é? Porque é o dia inteiro pra lá e pra cá, pra lá e pra
cá… Dá um barato… Aí vem insight… (passa uma garota) Falei: “Aí,
gata, sonhei com você…”
DA PEÇA - Orfeu: Uma Hip-Hópera Brasileira
Griô/MC:
Tempo, tempo, tempo…
Que seria de nós?
Artistas do impalpável
Sem o tempo que grafita
Em nossos corpos-instrumento
Em nossas mentes-escritura
Em nossa voz-amplificação do indecifrável
O fruto da pesquisa e do estudo
Fome que não se ensina
Labuta quase inútil se não fosse resistência
Tentativa estéril se não virasse obra
Na busca – quase inglória –
de expressar nossa inconformidade
por compreender a vida
No vislumbre que o instante efêmero da cena
Transfigurado em poesia
Dê sentido às nossas vidas e incite
– pretensiosos e sonhadores que somos –
A quem nos assiste,
a se juntar à nossa insistência-teatro
a se juntar à nossa insistência-teatro
a se juntar à nossa insistência-teatro
por dizer o indizível
Por dar forma ao indefinível
Levantando o estandarte
– trágico se não fosse cômico –
da encenação
Arte fugaz
sempre por um triz,
mas que reinventa a utopia,
toda hora a cada dia
Nosso imaginário refaz
Criando uma zona autônoma temporária
de vislumbre do que virá
E logo depois, tudo de novo se desfaz…
tudo de novo se desfaz…
e se refaz e se desfaz
e se refaz…
O que seria de nós?
Porta-bandeira e maestro caem exauridos.
SUMARIO
A Voz Impressa
O Teatro Épico (Em Poucas Palavras) [Iná Camargo Costa]
A Cultura Hip-Hop (Em Poucas Palavras) [Roberta Estrela D’Alva]
Parte I
Primeiras Vozes
Um Território-Gira de Experimentalismos Estéticos
da Contemporaneidade [Alexandre Mate]
1 Bartolomeu: Que Será Que Nele Deu?
Apresentação [Georgette Fadel]
A Peça
2 Acordei Que Sonhava
Calderón de La Barca nas Dobras do Presente [Antônio Rogério Toscano]
A Cenografia [Julio Dojcsar]
A Dramaturgia Musical [Eugênio Lima]
A Peça
3 Frátria Amada Brasil:
Pequeno Compêndio de Lendas Urbanas
Apresentação [Reinaldo Maia]
A Peça
Parte II
Particularidades Coletivas
Um Território-Gira de Experimentalismos Estéticos
da Contemporaneidade II [Alexandre Mate]
4 Cindi Hip-Hop: Pequena Ópera Rap
As Peles Pretas e o Sapato de Cristal [Jé Oliveira]
A Peça
5 Encontros Notáveis
Encontros Notáveis – Deixa um Pouco de Ser o Que És [Tatiana Lohmann]
A Peça
6 Manifesto de Passagem: 12 Passos em Direção à Luz
Apresentação [Cristiane Paoli Quito]
A Peça
7 3x3: Três DJs em Busca de um Vinil Perdido
Apresentação [Frank Ejara]
A Peça
8 Vai Te Catar!
Apresentação [Sato do Brasil]
A Peça
Parte III
Vozes Insurgentes
Ágoras Míticas e a Desmitificação do Agora
[Amilton Azevedo]
9 Orfeu: Uma Hip-Hópera Brasileira
Apresentação [Sérgio de Carvalho, Maria Livia Goes e Helena Albergaria]
A Peça
10 Antígona Recortada: Cantos Que Contam Sobre Pousos Pássaros
Uma Fresta Através do Tempo [Lucas Moura]
A Peça
11 BadeRna
Apresentação [Luis Arrieta]
A Peça
12 Memórias Impressas: Memórias em Presas
Um Poema Relacional: Mulheres-Memórias em Camadas [Lucienne Guedes Fahrer]
A Peça
13 Efeito Cassandra: Na Calada da Voz
As Vozes do Fundo da Terra [Dione Carlos]
A Peça
14 Terror e Miséria no Terceiro Milênio: Improvisando Utopias
Terror e Misérias do 3o Reich no Brasil de Hitler Ressuscitado, Agora Agonizado, Mundo se Acabando [José Celso Martinez Corrêa]
A Peça
FICHA TÉCNICA
Autores: Núcleo Bartolomeu de Depoimentos
Claudia Schapira, Eugênio Lima, Luaa Gabanini, Roberta Estrela D’Alva
Assunto: TEATRO
Formato: Brochura
Dimensões: 16 x 23 cm
544 páginas
ISBN 9786555050967
E-book: 9786555050974
Lançamento: 14/04/2022
1 x de R$129,90 sem juros | Total R$129,90 | |
2 x de R$68,37 | Total R$136,73 | |
3 x de R$46,36 | Total R$139,07 | |
4 x de R$35,36 | Total R$141,42 | |
5 x de R$28,76 | Total R$143,81 | |
6 x de R$24,37 | Total R$146,22 |