ANTILITERATURA
A POLÍTICA E OS LIMITES DA REPRESENTAÇÃO NO BRASIL E ARGENTINA MODERNOS
Adam Joseph Shellhorse
Tradução: Maria Clara Cescato
SINOPSE
Antiliteratura repensa o que significa o termo “literatura” hoje. Examinando formas-chave da escrita experimental desde a década de 1920 na América Latina, Adam Joseph Shellhorse revela a força da literatura como o local da reflexão e reação radical às condições culturais e políticas contemporâneas. Sua análise dialoga com a obra de escritores como Clarice Lispector, Oswald de Andrade, os poetas concretistas brasileiros (Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari), Osman Lins e o argentino David Viñas, para desenvolver uma teoria que coloca o feminino, o multimídia e o subalterno como centrais para o desmontar do que significa “literatura”.
Ao colocar as antiliteraturas brasileira e argentina no cerne de uma nova forma de pensar a área, o livro desafia as discussões prevalecentes sobre a projeção histórica e a força crítica da literatura latino-americana. Examinando uma gama diversificada de textos e mídias que incluem artes visuais, poesia concreta, roteiros de filmes, cultura pop, narrativa neobarroca e outros que desafiam o gênero, o livro delineia o potencial subversivo dos modos antiliterários de escrita, ao mesmo tempo qu e envolve debates atuais nos estudos latino-americanos sobre subalternidade, escrita feminina, pós-hegemonia, concretismo, afeto, marranismo e política da estética.
Assim, Shellhorse propõe um novo método de leitura que se ocupa das qualidades marginais e subalternas do texto literário e o coloca num diálogo urgente com os conceitos mais atuais provenientes da filosofia e da teoria crítica atual.
QUARTA-CAPA
Embora sejam hoje canônicos, Clarice Lispector, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Oswald de Andrade, Osman Lins e David Viñas são autores cujas ambições sempre foram subversivas, na contramão de uma determinada imagem do que significa escrever. De serem anti.
Mas, afinal, o que se entende mesmo por literatura?
Este livro é tanto sobre esses escritores formidáveis quanto sobre o restabelecimento de uma análise conceitual do poder, relevância e dinamismo da obra literária, e se propõe a realizar um contraponto teórico para reavaliar a política da representação e das margens nos escritos experimentais latino-americanos, dos últimos cem anos, teorizando as dimensões subversivas – femininas, minoritárias e multimidiais – da escritura.
Antiliteratura articula um repensar dos conceitos fundamentais do que se entende por “literatura” nos tempos contemporâneos pós-hegemônicos. Promovendo uma compreensão dos legados, da potência, da materialidade e da relevância da literatura, o livro aborda a problemática da escritura experimental como um espaço de reflexão radical
ADAM JOSEPH SHELLHORSE
Doutor pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, leciona na Temple University, em Philadelphia, e é especialista em literatura e a poética latino-americanas dos séculos XIX, XX e XXI, vistas dentro de um contexto comparativo, interamericano e latino-americano. Fazendo a ponte entre esses campos historicamente divididos, quatro problemas orientam minha pesquisa: (1) a virada construtivista e reflexiva radical na poética e na arte latino-americana durante as décadas de 1950 e 1960; (2) os legados das vanguardas históricas latino-americanas; (3) o exame da literatura em relação a outras artes, meios de comunicação e tecnologia, e como a literatura se relaciona com questões de afeto, poder, cultura pop e justiça social; (4) a crise da expressão literária e dos discursos do Estado-nação nos séculos XX e XXI e, em consequência, a relação desigual da literatura com a política, a teoria crítica, a raça e o género nos estudos latino-americanos e latino-americanos de hoje. Sem dúvida, o meu objetivo é forjar uma nova visão do nexo do problema e da situação no terreno, que subscreva frutuosamente a discussão da literatura e a sua crise.
COLEÇÃO ESTUDOS
Coleção que conta atualmente com mais de trezentos títulos de filosofia, psicanálise, crítica, literatura, arquitetura, semiótica, entre outros que já se tornaram clássicos das ciências humanas, e que é voltada para abordagens que aprofundam e ampliam seus temas.
DA CAPA
Imagem da capa: poema “Tudo Está Dito”, de Augusto de Campos, 1974.
O QUE DIZ O AUTOR
Na contramão das leituras que reduzem [Haroldo de] Campos ao concretismo, mostro como sua poesia é melhor enquadrada por seu compromisso com a radicalização permanente da linguagem. É o que chamo de abertura “pós-concreta” de Campos para outras artes, poetas e meios de comunicação de massa. Ilustro como a obra de Campos, desde a década de 1960, se caracteriza pelos seguintes motivos: sua ênfase no status liminar, antiliterário da poesia e sua não conciliação com o campo literário; sua construção de novos protótipos poéticos; seu empenho em conduzir a poesia a um espaço intermédio, interdisciplinar, fundindo o verbal com o não verbal; sua fidelidade à sintaxe gráfica, não discursiva, analógica e isomórfica do concretismo; e seu esforço de recuperar e reinventar práticas poéticas e artísticas experimentais do passado, de Arnaut Daniel a Stéphane Mallarmé, Ezra Pound, Oswald de Andrade, Vladimir Mayakovsky, James Joyce, E.E. Cummings, Anton Webern, Marcel Duchamp, John Cage e Emily Dickinson. Considero quatro tensões fundamentais em jogo em Campos: entre poética e política, concretismo e outras artes, tradução e criação, e o compromisso de Campos de enfrentar o “risco” da poesia, ou seja, sua aventura nos espaços não poéticos da era digital e tecnológica. Concluo com uma avaliação da concepção de Campos do poema como um agenciamento polifônico que combina diversos sistemas de signos –– da propaganda, pop e YouTube à música de vanguarda, poesia e pintura. Através da apropriação antiliterária da mídia, o poema renova a fala, a linguagem e a arte propriamente dita para tornar a humanidade mais consciente do ambiente sensorial e político total em que está imersa.
TRECHOS
DO PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
A força crítica dos escritores abordados neste volume, tanto póstuma quanto contemporânea, gira em torno do que chamo de questão da antiliteratura. E, no entanto, ainda que hoje os escritos de Clarice Lispector, Oswald de Andrade, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Osman Lins e David Viñas sejam celebrados como canônicos, sua ambição sempre foi subversiva, indo na contramão de uma determinada imagem do que significa escrever. O projeto deste livro é tanto sobre esses escritores formidáveis quanto sobre o restabelecimento de uma análise conceitual do poder, relevância e dinamismo de sua obra renegada através das lentes da antiliteratura.
DO LIVRO
Metodologicamente, este livro deseja ir além das concepções estáticas da literatura, por meio de leituras multiníveis de textos antiliterários brasileiros e argentinos. Meu objetivo, no entanto, não é apenas desenterrar tradições marginalizadas, mas defender a necessidade de uma abordagem multidisciplinar que envolva alguns dos mais influentes teóricos culturais e ideias que conduziram, em primeiro lugar, à crise da ideia de literatura latino-americana. Como mostrarei em meus argumentos, na medida em que a antiliteratura subverte concepções monológicas da escritura literária (isto é, a literatura entendida em termos de uma estreita divisão forma-conteúdo, em termos de um paradigma culturalista tradicional e em termos de uma separação rígida de gêneros), precisamos criar uma tipologia do texto e metodologia de leitura novas que compreendam a forma literária como um complexo de percepção verbal, vocal e visual que dialogue estruturalmente com outras mídias e grupos sociais marginalizados.
Preocupado com os poderes de percepção da escritura antiliterária, e sua aliança com outros regimes de signos, uma importante vertente teórica que examino neste livro é o conceito de pós-hegemonia que Jon Beasley-Murray define, em termos amplos, como o questionamento das categorias de Estado-nação e de hegemonia como princípios organizadores de uma análise da cultura e da política (p. xvii)
(...)
Em contraposição ao impasse nos estudos culturais contemporâneos, voltamos à nossa questão central: como uma avaliação das dimensões femininas, afetivas e subalternas de A Hora da Estrela nos permite desafiar a concepção predominante do que se entende hoje por literatura latino-americana.
Começando com Olga de Sá, Benedito Nunes e Hélène Cixous no final dos anos 1970, os críticos comentaram amplamente sobre a autorreflexividade do texto107. E, no entanto, as implicações desse gesto têm sido negligenciadas. Para começar, o nome Macabéa é um palimpsesto com valências do renegado, referindo-se ao lendário exército rebelde judeu, os Macabeus, que liderou uma luta contra o domínio grego de 174 a 134 a.C. Princípio de uma rebelião minoritária, a caracterização de Macabéa está centrada em sua relação desigual com a escritura e a sociedade. Com efeito, como migrante do Nordeste brasileiro, ela marca, pode-se dizer, uma importante tendência na literatura e na arte brasileira do século XX. De Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto e o Cinema Novo às pinturas de Cândido Portinari, a fuga do migrante para a cidade é configurada como paradigma da desigualdade: o divórcio de longa data entre a classe brasileira instruída e o subalterno109. Sem dúvida, A Hora da Estrela condensa a resposta-homenagem de Lispector a esse tema influente, bem como a resposta à crítica que ela recebeu ao longo de sua vida por estar “alienada” das lutas sociais.
(...)
Contra o establishment literário da década de 1950, personificado nas figuras de Borges, Ocampo e Mallea, o discurso de Viñas se move em três direções: a Sartre, à América Latina e ao cinema. Viñas estabelecerá sua ruptura ao inverter o que ele considerava conformista, idealista e eurocêntrico: um sistema cultural centrado e enraizado no Estado, que não conseguia perceber seus limites internos. Invertendo o que ele conceituava ser o paradigma central do caso de amor e “santificação da Europa” dos intelectuais argentinos, Viñas volta seu olhar para o sul, certamente. Porém, mais importante, mais concreta, mais material e incisiva é a radicalização a que Viñas submete seu meio criativo. Viñas achará uma maneira de romper os limites históricos da literatura oficial. Para atravessar o limite, Viñas contrapõe um corpo discursivo alternativo, a saber, uma literatura multimídia, historicamente infletida “a medias” (a meio caminho) e suas potências de finitude contra as imposições idealistas do estado literário crioulo [...].
(...)
Em Que É a Literatura? (1947), Jean-Paul Sartre famosamente proscreveu a poesia de seu modelo de literatura engajada. Para Sartre, a poesia não utiliza a linguagem para se comunicar com o leitor. Do lado da pintura, da arquitetura e da escultura, o poema é concebido como uma palavra-coisa que projeta uma realidade alternativa e rarefeita, enquanto a prosa, uma arte de signos comunicacionais, revela diretamente a situação política da alienação de modo a provocar a angústia e o entusiasmo do leitor para modificá-la.
Contra a divisão rígida implícita na maldição lançada por Sartre ao engajamento poético, os poetas concretos desprendem a poesia do regime literário. Mais especificamente, eles dão o salto participante e a poesia se torna o lugar de um risco com e através das linguagens da intermídia. Ao fazê-lo, os poetas concretos exploram, devoram e redistribuem, por meio de seus experimentos poéticos, as condições de inteligibilidade da dimensão social, de modo a suscitar a criatividade do leitor. O poeta se torna o designer da linguagem, um canibal da intermídia, na era pós-verbal e pós-literária. Essa paixão pelo real dentro do elemento da canibalização de todos os sistemas formais constitui uma crítica da compreensão representacional do literário e do político.
Como o literário se encontra mais uma vez numa encruzilhada em nosso presente global, o que pensar hoje da poesia concreta brasileira e da pergunta e do legado irreprimíveis de seu engajamento?
SUMÁRIO
Prefácio à Edição Brasileira
Introdução: Antiliteratura
1. Figurações da Imanência: Escrevendo o Subalterno e o Feminino em Clarice Lispector
2. O Limite da Letra: Antiliteratura e Política em David Viñas
3. Subversões do Sensível: A Poética da Antropofagia na Poesia Concreta Brasileira
4. A Matéria Intempestiva da Antiliteratura: A Política da Representação nas Galáxias de Haroldo de Campos (1963-1976)
5. As Antinomias da Antiliteratura: A Política do Barroco em Haroldo de Campos e Osman Lins
6. Escrevendo a Redenção e a Insurgência Subalternas: “O Anjo Esquerdo da História”, de Haroldo de Campos
Por fim: O Segredo Intempestivo da Antiliteratura
Notas
Referências Bibliográficas
Índice
Agradecimentos
FICHA TÉCNICA
Adam Joseph Shellhorse
Tradução: Maria Clara Cescato
Coleção Estudos [E383]
Assunto: Literatura
Impresso - brochura
13,5 x 22,5 cm
320 páginas
ISBN 978-65-5505-234-3
Lançamento 14 março
EBOOK
ISBN 978-65-5505-164-3
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