DISCURSOS DE ÓDIO
O Racismo Reciclado nos Séculos XX e XXI
Maria Luiza Tucci Carneiro (org.)
SINOPSE
Os discursos de ódio, tanto de grupos de extrema direita como da esquerda radical, têm se difundido no mundo globalizado via internet, inclusive no Brasil. Favorecidos pelas fragilidades das democracias, os membros dessas organizações negam a história do Holocausto, manipulam o conceito de genocídio e instigam o ódio a judeus, negros, ciganos, mulheres, LGBTQIA+, povos originários do Brasil, à ecologia e aos direitos humanos.
Discursos de Ódio: O Racismo Reciclado nos Séculos XX e XXI traça em seus 14 ensaios como recursos retóricos e mídias “insuspeitas” (como os jogos de tabuleiro e eletrônicos e as charges) foram e são historicamente usados para propagar uma visão de mundo reacionária e intolerante frente a minorias sociais, em geral visando cativar principalmente os mais jovens.
O livro evidencia que a ausência de uma legislação específica aplicada às redes sociais, a existência de fóruns anônimos na internet e a desinformação sobre os procedimentos cabíveis nos casos de “crimes da palavra” praticados on-line incentivam as falas e práticas racistas, xenofóbicas, homofóbicas, misóginas e transfóbicas, e o quanto esse discurso, travestido de liberdade de expressão na era da internet e dos discursos da ONU, é na verdade um velho conhecido.
QUARTA-CAPA
O recrudescimento dos discursos de ódio e do negacionismo propagados como conteúdo na internet assumiu tal proporção que cada instância de nossa sociedade é forçada a se haver com esse tema. Os poderes Judiciário e Legislativo, a academia e a imprensa debatem como conter esse tsunami.
Os ensaios de Discursos de Ódio: O Racismo Reciclado nos Séculos XX e XXI vão ainda além nessa discussão, ao mostrar como as ramificações dos ódios “contemporâneos” têm raízes históricas profundas, racistas e colonialistas. Sites supremacistas – protegidos pela “liberdade de expressão” – e videogames vinculados a Klu Klux Klan e a (neo)nazistas são apenas um exemplo disso e têm antecedentes em jogos de tabuleiro antissemitas e charges racistas. O humor, aliás, como o leitor poderá testemunhar no livro, tanto pode ser usado para combater desmandos como para difundir o ódio. Os alvos também são os de sempre: os negros, os judeus, as mulheres, os muçulmanos, os ciganos, os pobres, os LGBTQIA+.
O que há de novo realmente na difusão do ódio é a amplitude e capilaridade das redes sociais, controladas por bilionários inacessíveis e inimputáveis, transnacionais, que fornecem a usuários anônimos os meios para, no Brasil ou no exterior, destilar e reciclar seu veneno.
MARIA LUIZA TUCCI CARNEIRO (ORG.)
Livre Docente junto ao Departamento de História da Universidade de São Paulo, coordena o LEER (Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação, do Departamento de História, onde desenvolve os projetos Arqshoah: Vozes do Holocausto e Travessias: O Legado dos Artistas, Intelectuais e Cientistas Refugiados do Nazismo, Brasil, 1933-2018. Autora dos livros: Os Diabos de Ourém (2023); Impressos Subversivos: Arte e Cultura Política. Brasil, 1924-1964 (2ed.,2023); Olhares de Liberdade: CIP, Espaço de Resistência e Memória (2018); Histórias de Vida dos Sobreviventes da Shoah, em coautoria com Rachel Mizrahi (2017, 2018, 2019); Dez Mitos Sobre os Judeus (2016, 2019), Cidadão do Mundo: O Brasil diante do Holocausto e dos Refugiados do Nazifascismo, 1933-1948 (2011); Preconceito Racial em Portugal e Brasil Colônia (3ed. 2005); O Antissemitismo na Era Vargas (3ed. 2001), dentre outros.
AUTORES
CAROLINA SIEJA BERTIN
Graduada em Letras, mestra e doutora em Estudos Linguísticos e Literários do Inglês pela Universidade de São Paulo, realizou parte de seus estudos de pós-graduação na Universidade de Harvard. É pedagoga pelo Centro Universitário Senac e especialista em Psicanálise pelo Centro de Estudos Psicanalíticos. Dentre publicou: Sob A Sombra de um Xale: Um Estudo Sobre A Estética De The Shawl (Novas edições acadêmicas, 2013), bem como artigos em periódicos especializados. Professora da Beit Yaacov Escola- São Paulo.
CHRISTIANE STALLAERT
Professora catedrática de estudos iberoamericanos, comunicação intercultural e tradução na Universidade de Antuérpia (Bélgica). É doutora em Antropologia Social e Cultural pela Universidade Católica de Leuven. Suas principais áreas de pesquisa são a etnicidade e os nacionalismos, a sociedade multicultural, e a interface entre antropologia e tradução. É autora de Ni una Gota de Sangre Impura: La España Inquisitorial y la Alemania Nazi Cara a Cara (2006); Perpetuum Mobile: Entre La Balcanización y la Aldea Global (2004); e Etnogénesis y etnicidad en España (1998).
ELIAS THOMÉ SALIBA
Possui Graduação, mestrado e doutorado em História(1982) e Livre Docência em Teoria da História(2000) pela USP. Professor Titular do Depto. de História da USP, desde 1990; especializou-se em História da Cultura, com ênfase no Brasil do período republicano. É pesquisador 1A do CNPq e membro da Associação Internacional de Historiadores do Humor. É professor de Teoria da História na USP, onde atualmente desenvolve pesquisas na área de história cultural do humor. Publicou entre outros: Raízes do Riso (Companhia das Letras); e Crocodilos, Satíricos e Humoristas Involuntários; ensaios de história cultural do humor (Intermeios/USP, 2018).
EMERSON CÉSAR DE CAMPOS
Professor Titular do Departamento e Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC e do Mestrado Profissional em Ensino de História. Atua junto aos temas: história do tempo presente; culturas políticas, cidades; migrações; estados unidos; história em quadrinhos; história e humor; história e literatura.
JAQUELINE MARTINHO DOS SANTOS
Bacharel, mestra e doutoranda junto ao Programa de História Social da FFLCH-USP. Dedica-se aos estudos de: história e literatura; escravidão e abolição no Brasil; racismo e as relações raciais na sociedade brasileira.
JULIANA LAVEZO
Graduada em História (2008) e em Pedagogia pela UNESP (2013), é mestre (2015) e doutora em História pela USP (2018). Possui especialização em Ética, valores e cidadania na escola pela USP (2014). Atualmente é professora da rede pública de ensino. Tem experiência na área de História e educação, atuando principalmente nos seguintes temas: biografia, testemunho, Segunda Guerra Mundial, intolerância e antissemitismo.
LESLIE MARKO
Concluiu doutorado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, em 2016. Mestre em Teoria e Prática do Teatro, é diretora e Teatro Educadora formada pela ECA e Faculdade de Educação da USP. Integra o ARQSHOAH/LEER (Laboratório de Estudos de Etnicidade, Racismo e Discriminação. Atua como docente na ESPM Dirigiu o espetáculo Mergulho voltado a professores e estudantes de escolas municipais nos CEUs de São Paulo em parceria com a B’nai B’rith e a Secretaria Municipal de Educação.
LUIS RONIGER
Professor do Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade Wake Forest (WFU). Professor emérito da Universidade Hebraica de Jerusalém, tem inúmeras publicações. Sociólogo, seu trabalho está centrado em estudos de sociologia política comparada; nas interações entre política, esfera pública e cultura; nas relações entre democratização e direitos humanos; e na análise dos exílios políticos e transnacionalismo.
MARCOS GUTERMAN
Doutor em História Social pela USP. Autor dos livros Nazistas Entre Nós (Prêmio Jabuti 2017) e Holocausto e Memória, ambos pela Editora Contexto. Editorialista de O Estado de S. Paulo. Professor de Jornalismo Econômico e Político na Faculdade Cásper Líbero. Pesquisador da Refat (Rede Científica Internacional para o Estudo dos Fascismos, Autoritarismos, Totalitarismos e Transições à Democracia).
MARCOS TOYANSK
Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), com estágio de pesquisa no Instituto de Etnologia de Sófia. Realizou pós-doutorado na Universidade de Sevilha. Pesquisador e coordenador do Grupo de Estudos Ciganos no LEER-USP. Tem origem cigana e judaica.
MARINA DE MELLO E SOUZA
Professora no Departamento de História da Universidade de São Paulo, autora dos livros Além do Visível: Poder, Catolicismo e Comércio no Congo e em Angola (Séculos XVI e XVII); África e Brasil Africano; Reis Negros no Brasil Escravista: História da Festa de Coroação de Rei Congo; Paraty: A Cidade e as Festas.
PAULO DANIEL FARAH
É professor na FFLCH/USP; Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades (PPGHDL/FFLCH/USP); Coordenador do NAP (Núcleo de Apoio à Pesquisa) Brasil África/USP; Coordenador do Grupo Diálogos Interculturais do IEA (Instituto de Estudos Avançados)/USP; Coordenador do Projeto Produção, difusão e repercussão do conhecimento científico: universidade, sociedade e grupos vulneráveis/USP-ONU; e Líder do Grupo de Pesquisa (homologado pelo CNPq desde 2009) “Temáticas, Narrativas e Representações Árabes, Africanas, Asiáticas e Sul-Americanas e de Comunidades Diaspóricas”.
ROBSON SCARASSATI BELLO
Robson Scarassati Bello tem graduação em história é mestre e doutor em História Social pela USP, tendo realizado respectivamente pesquisas sobre Assassin’s Creed e o videogame como representação histórica; e analisado a relação reificada entre lúdico e memória em filmes e videogames sobre o Oeste Americano.
COLEÇÃO DEBATES
Dedicada à publicação da ensaística de ponta nos diferentes ramos das Artes e Ciências Humanas, a coleção Debates, traz contribuições significativas e, às vezes fundamentais, de autores como Umberto Eco, Roman Jakobson, Max Bense, Martin Buber, Tzvetan Todorov, Fernand Braudel, Gershom Scholem, Antonio José Saraiva, José Augusto Seabra, Anatol Rosenfeld, Benedito Nunes, Affonso Ávila, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi, para citar apenas alguns dos autores que compartilharam com o leitor seus questionamentos e suas experiências nos mais de trezentos títulos já publicados.
DA CAPA
Imagem da capa: Edvard Munch, O Grito (detalhe), gravura, 1893.
TRECHOS
DA APRESENTAÇÃO [Maria Luiza Tucci Carneiro]
O conteúdo desta coletânea reafirma algumas certezas, tais como:
◆ a consolidação e ascensão dos novos movimentos neonazistas e neofascistas na Europa e América Latina (principalmente no Brasil e na Argentina) têm atraído a geração mais jovem;
◆ o crescimento expressivo do antissemitismo no mundo deve-se a três fontes produtoras do ódio aos judeus: a extrema direita, a extrema esquerda e o islamismo radical;
◆ nos atuais discursos da extrema direita persistem as estratégias de comunicação empregadas pelos nazistas nas décadas de 1930 e 1940, como, por exemplo, truques de linguagem, usados para abolir as diferenças entre verdade e mentira;
◆ a caricatura tem sido utilizada como instrumento propulsor dos mitos antissemitas, favorecendo as versões daqueles que negam o Holocausto e o direito do Estado de Israel de continuar existindo;
◆ os ciganos continuam sendo tratados como “estranhos indesejáveis” e apresentados como uma ameaça às sociedades mais amplas;
◆ os processos de construção de estereótipos contra os afrodescendentes são perpetuados de forma sub-reptícia, alimentando os mecanismos de exclusão.
DO LIVRO
Introdução [Luis Roniger]
O cenário mundial que se seguiu ao enfraquecimento e queda da União Soviética e que deu origem às primeiras previsões do “fim da história” (nas palavras de Francis Fukuyama) foi substituído na década de 2000 por um mundo multipolar. Muito em breve, se regenerariam em novas formas a competição global, o confronto entre novos blocos transnacionais, a corrida armamentista e inúmeras situações de guerras civis e intervenções militares, o que também se traduziria no âmbito dos direitos humanos.
Uma das consequências da nova multipolaridade foi o surgimento de numerosas tensões em torno do suposto universalismo dos direitos humanos, que tem encontrado resistência de vários ângulos. Na verdade, o discurso dos direitos humanos tem sido criticado de várias perspectivas. Uma perspectiva que mostra a desconfiança existente é a daqueles que veem nele um projeto ocidental neoliberal e individualista arrogante que ignora os direitos coletivos, seja de povos, grupos ou minorias.
Da mesma forma, os cientistas sociais do Sul Global têm sido radicais nas suas críticas. Por exemplo, o sociólogo brasileiro Boaventura de Sousa Santos, o pesquisador português Bruno Sena Martins e outros colegas lançaram uma crítica radical ao conceito hegemônico e ocidental de direitos humanos. Sousa Santos e Sena Martins argumentaram que a noção predominante de direitos humanos como linguagem hegemônica da dignidade humana, fazendo parte do imaginário modernista ocidental, tem sido incapaz de confrontar as injustiças sistêmicas e a opressão causada pelo capitalismo, pelo colonialismo e pelo patriarcado.
Capítulo 2 [Christiane Stallaert]
A meu ver, a compreensão da ideologia xenófoba (inclusive neonazista) no século XXI reside mais em certos desdobramentos típicos dos anos 1990 do que na continuidade com o próprio nazismo. Esses desenvolvimentos incluem o fim da Guerra Fria, que na Europa foi acompanhada por sangrentos conflitos étnico-políticos nos Bálcãs; em todo o mundo, a emergência do islamismo radical, cujos primeiros surtos se tornaram visíveis na Argélia com a guerrilha em torno da Frente Islâmica de Salvação (FIS). Ao mesmo tempo, o apartheid chegava ao fim na África do Sul, o último regime de racismo de Estado institucionalizado. O contexto das comemorações dos cinquenta anos do Holocausto deu um impulso aos chamados estudos de memória (histórica) e dos direitos humanos. O fim do choque entre grandes ideologias abriu caminho para o ideal neoliberal da “globalização”, um mundo onde pessoas e bens são colocados em circulação e se tornam intimamente interligados. Nos Estados Unidos, essa visão se reflete no chamado “Consenso de Washington”, que já no início dos anos 1990 foi traduzido em um ambicioso Acordo de Livre Comércio do Atlântico Norte entre o Canadá, os Estados Unidos e o México. A Europa, por sua vez, deu passos decisivos rumo a um sonho de “cidadania europeia” na Cúpula de Maastricht realizada em 9 e 10 de novembro de 1991, com a abolição das fronteiras internas (o espaço Schengen), a criação de uma moeda comum (o euro) e o projeto de Constituição Europeia.
A contrapartida dessa vontade política de abolir as fronteiras econômicas e humanas resulta, porém, na consolidação de tendências xenófobas e ultranacionalistas, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, nasceu em 1990 uma plataforma chamada Stormfront, nome que se refere à Sturmabteilung ou SA nazista. Na Europa, partidos xenófobos alcançam posições de destaque no espectro político de muitos países europeus. Assim, por exemplo, na Bélgica, o Bloco Flamengo (Vlaams Blok), partido criado em 1978, emergiu como força política nas eleições de novembro de 1991, obtendo mais de 20% dos votos em alguns distritos do país. Com uma ideologia racista e laços ou afinidades neonazistas, em 2004, após uma condenação judicial, o partido passou a se chamar Vlaams Belang, Interesse Flamengo, nome que lembra o conceito nazista de völkische Belange (interesse do povo). Essa semelhança nos leva à questão central de nossa análise, a saber: o “neonazismo” do século XXI é de inspiração nazista?
Capítulo 3 [Marcos Guterman]
O totalitarismo foi bem aceito por aqueles que ansiavam pelo fim da imprevisibilidade. A história é vista não como acaso, mas como um jogo de interesses, conferindo ao poder leis objetivas que podiam ser descobertas e controladas. O líder totalitário de massas é infalível. Nem a derrota prova seu erro, porque o futuro demonstrará que ele esteve sempre certo. O que importa, portanto, uma vez no poder, é fazer com que a predição se realize, pois é isso o que justifica o poder e um lugar na história. Se o Führer havia previsto a destruição da Alemanha em caso de derrota, então os remanescentes do regime, ao final da guerra, trataram de tentar tornar a profecia real. O extermínio é, portanto, a realização de um processo histórico.
Capítulo 5 [Robson Scarassati Bello]
Huizinga veio a insistir no verdadeiro jogo em oposição ao que ele chama de falso jogo presente no século XX. No verdadeiro jogo, é preciso que “o homem jogue como uma criança”, sem isso, a atividade lúdica perde suas “qualidades essenciais”. Essa diferenciação é aprofundada com a elaboração da distinção entre ludicidade e puerilidade. O puerilismo, para o historiador holandês, é o que definiria a “essa mistura de adolescência e barbá- rie que se tem vindo a estender pelo mundo no decorrer das últimas duas ou três décadas”.
Apesar de não nomear a quem se refere, seu inimigo era claro: os fascistas e os soviéticos. A ludicidade, por sua vez, seria caracterizada com as qualidades que ele procurou definir: livre, fora do mundo comum, prazerosa.
[...]
Os lançamentos desses jogos de ódio não se restringiram ao começo da década de 2000, eles continuam, mesmo disfarçados. Em 2017, um jogo chamado Feminazi: The Trigger (Feminazi: O Gatilho) “satirizou” a luta feminista e de minorias. Em 2018, durante a eleição presidencial que teve Jair Bolsonaro como vencedor, um jogo chamado Bolsomito 2k18 colocava o então candidato matando minorias: “Nas artes e nos trailers disponibilizados à comunidade gamer (como são chamados dos jogadores), é possível observar que os inimigos no jogo são variados: vão desde militantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) a feministas, integrantes da comunidade LGBTQIA+, black blocs, políticos de esquerda e outros.”
Em 2019, Jesus Strikes Back: Judgment Day (Jesus Contra-Ataca: Dia do Julgamento), permitiu aos jogadores estarem ao lado de Hitler e Mussolini e escolherem dentre diversos protagonistas, incluindo Brenton Tarrant, que massacrou pessoas na Nova Zelândia. O jogo teve um remaster e uma continuação, continua a venda, e se diz “satírico”.
Em 2022, foi lançado um jogo hiper-realista de tiro em primeira pessoa chamado Maroon Berets: 2030 (Boinas Marrons: 2030), uma ficção científica que coloca turcos massacrando armênios, em absoluto desprezo ao genocídio armênio do século passado. Em um relatório de 2021 para a Comissão Europeia, apontou-se como há uma intersecção constante entre alguns jogos eletrônicos e extremismo violento de jihadistas, extremistas de ultradireita e grupos étnico-nacionalistas. E não só jogos feitos com esse intento foram vítimas de extremismo: tomemos o caso da plataforma de criação de jogos infantis Roblox, que se tornou um lugar de discursos de ódio e neonazistas, uma vez que a plataforma acabou permitindo práticas nazistas e escravistas dentro do ambiente de jogo.
Capítulo 6 [Elias Thomé Saliba]
Ainda que levemos em conta o alto potencial de polissemia inerente a toda produção cômica, é preciso constatar que no mundo digital da atualidade, piadas e chistes são apresentados como humorísticos dentro de contextos de extrema polarização ideológica, de ressentimento e de ódio e, no limite, de uma radicalização do fanatismo racista. Ora, como diversos estudos vêm analisando, sabemos que esse ambiente hostil e polarizador da mídia digital é inerente às novas gerações de algoritmos, os quais incrementam e estimulam em escala veloz e cada vez mais disseminada, a chamada “economia da atenção”. De qualquer forma, esse humor hostil que prospera nas redes sociais utiliza-se da ideologia positivista do riso para elidir o que realmente ele incentiva, ainda que de forma velada, que é acentuar a diferenciação social positiva de um grupo em relação a outro, arregimentando e reunindo, na concisão da piada e do estereótipo, todos os aspectos negativos. Por trás dessa cortina positivista de que se trata “apenas de uma piada”, está o reforço de uma percepção de superioridade por parte do emissor ou do produtor da anedota cômica.
[...]
Embora pareça óbvio, é bom insistir numa última observação: não há uma relação clara e unívoca entre o humor e o riso. Noutros termos, o humor não existe apenas para provocar o riso, e isso se altera bastante em cada época da história e em cada contexto cultural. O humor não só é definido em termos de piadas, mas sim como um mecanismo de enfrentamento psicológico. O humor, ainda que assuma muitas formas diferentes, não pode ser reduzido a uma única regra ou fórmula. Em vez disso, devemos vê-lo como um processo de resolução de conflitos. Em outras palavras, o humor as vezes é a única forma de lidar com o turbilhão da vida.
Capítulo 9 [Marcos Toyansk]
O enquadramento dos ciganos como uma questão de segurança está relacionado com a persistência de estereó- tipos que relacionam os ciganos à criminalidade, origem estrangeira e nomadismo, permitindo que os Estados os tratem de forma discriminatória. Esses estereótipos ganharam força durante a pandemia da Covid-19 de variados modos. Tratados de forma diferente, os ciganos muitas vezes têm os direitos de cidadania negados.
Capítulo 10 [Marina de Mello e Souza]
As posturas que inferiorizam os africanos e as sociedades por eles criadas têm uma história milenar e, com a crescente movimentação das pessoas por diferentes regiões do globo, tornaram-se, além de largamente presentes e difundidas, também criticadas. O racismo atual, consolidado na segunda metade do século XIX, decorre da maneira como o olhar ocidental percebeu o africano ao longo da história, e desde então passou por transformações e apropriações diversas. Indicarei aqui rapidamente a gênese da visão ocidental sobre o africano e sobre seus descendentes no Brasil, país que incorporou o racismo voltado para aqueles de pele preta presente no contexto mais geral. Evoco a ideia de estigma na medida em que diz respeito a marcas visíveis, geralmente presentes nos corpos, nos espíritos, na saúde das pessoas, que em razão delas são vistas negativamente, são marginalizadas e com frequência internalizam essas avalições emitidas pelo outro, que recorre à construção da diferença para afirmar sua própria identidade.
Capítulo 14 [Paulo Daniel Farah]
Em contraste com a Galeria das Máquinas (símbolo da modernidade), da qual era vizinha, a rua do Cairo (idealizada como símbolo do passado) reuniu, em um espaço de 1000 m2: três portões monumentais; duas mesquitas; um minarete que imitava o da mesquita de Qaitbay, em Alexandria; o sabil-kuttab (um prédio que abriga uma fonte pública [sabil] e uma escola [kuttab), casas dos séculos XIV a XV e cafés.
No final do XIX, a etnologia torna-se mais difundida. Nas exposições universais, populações consideradas exóticas são retratadas em seu cotidiano sob o pretexto de torná-las mais conhecidas. A rua do Cairo desenvolve uma espécie de “etnologia dos pobres”, de forte apelo popular. Veem-se no local artesãos, ourives, tecelões, ceramistas, escultores, vendedores de sucos e doces, comerciantes de tecidos e bugigangas. Os egípcios são representados coletivamente, em seus ofícios, não em suas individualidades. Não são nomeados, mas representados pelo trabalho que exercem.
SUMARIO
Apresentação – Maria Luiza Tucci Carneiro
Parte I. A RETÓRICA DO ÓDIO NOS SÉCULOS XX E XXI
1. A Politização do Discurso dos Direitos Humanos no Início do Século XXI: Observações Comparativas – Luis Roniger
2. O Antissemitismo Nazista Como Elo Entre a Supremacia Branca Estadunidense e a Geração de Identidade do Século XXI – Christiane Stallaert
3. O Poder da Mentira e a Guerra Contra a Verdade: A Estratégia Narrativa da Alemanha Nazista – Marcos Guterman
4. Palavras de Ódio: Análise Por Meio dos Diários de Victor Klemperer – Juliana Lavezo
5. Jogos de Ódio e Jogos Contra o Ódio – Robson Scarassati Bello
Parte II. HUMOR COM GOSTO DE ÓDIO
6. Humor e Ódio na Esfera Pública Digital – Elias Thomé Saliba
7. O Antissemitismo em Mutação: Narrativa e Representação nas Caricaturas e Charges – Maria Luiza Tucci Carneiro
8. Humor e Culturas Políticas: Uma Reflexão Acerca da Obra de Sérgio Bonson (1949-2005) – Emerson César de Campos
Parte III. HERANÇAS DO PASSADO: OS DISCURSOS “ANTI”
9. A Persistência do Anticiganismo – Marcos Toyansk
10. Visões Ocidentais da África e o Estigma do Negro – Marina de Mello e Souza
11. As “Raças Degeneradas” na Literatura: O Romance “Palmares” (1885), de Joaquim de Paula Souza – Jaqueline Martinho dos Santos
12. Sobre Desnudamentos Humanos, Xenofobia, Apagamento de Narrativas e Saberes e Desconstruções Discursivas – Paulo Daniel Farah
Parte IV. AÇÕES INTERVENCIONISTAS: SINAIS DE ALERTA
13. Discursos de Ódio: Entre o Passado, o Presente e o Agora…– Leslie Marko
14. A Genealogia do Trauma da Schoá e Seus Desdobramentos no Contexto Educacional Brasileiro – Carolina Sieja Bertin
Bibliografia
Colaboradores
FICHA TÉCNICA
Maria Luiza Tucci Carneiro (org.)
Coleção Debates
Sociologia/Política
Impresso em brochura
11,5 x 20,5 cm
384 páginas
ISBN 978-65-5505-209-1
310 laudas
Lombada 2,4 cm
Peso 333 g
EBOOK
ISBN 978-65-5505-210-7
Lançamento 1 nov
1 x de R$99,90 sem juros | Total R$99,90 | |
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5 x de R$22,12 | Total R$110,60 | |
6 x de R$18,74 | Total R$112,45 |