O JEITO YANOMAMI DE PENDURAR REDES
Thiago Benucci
Apresentação: Maurício Iximawëteri Yanomami
Prefácio: Pedro Cesarino
Posfácio: Wellington Cançado
SINOPSE
O Jeito Yanomami de Pendurar Redes traz ao leitor uma etnografia da arquitetura yanomami do Marauiá. Descreve e analisa a concepção de um habitar, seus meios de construção, a tipologia das suas moradas físicas e espirituais. Uma concepção de “arquitetura” impregnada da cultura e cosmologia do grupo, mostrando uma intensa vida comunitária impregnada de espiritualidade e tradições.
Faz-nos ver uma outra visão do que sejam as noções de espaço, de materialidade e de habitação dos povos Yanomami da região, ainda que sob a capa de uma rubrica diretamente associada aos pressupostos civilizatórios ocidentais. Vemos os acampamentos temporários, as casas-aldeia nas clareiras domésticas, as casas-montanha habitadas pelos espíritos e também as casas de espíritos construídas no peito dos pajés durante as iniciações xamânicas. E mostra como esse povo resiste ao eterno embate em torno dos seus direitos à terra. Por seu intermédio, acompanhamos os movimentos de agregação e de desagregação dos grupos e das moradas; os regimes de transformação das casas e dos corpos; os sentidos míticos e xamânicos em torno das categorias do perecível e do imperecível, adentrando em um modo de existência radicalmente oposto ao da exploração da terra causada pela civilização industrial que, cada vez mais, nos destina ao colapso.
QUARTA-CAPA
Os métodos de construção, os acampamentos temporários na floresta, as casas-aldeia nas clareiras domésticas, as casas-montanha habitadas pelos espíritos e as casas de espíritos construídas no peito dos pajés durante as iniciações xamânicas são os elementos que constituiriam a yãatamotima, “o jeito de pendurar redes”, numa transcriação de uma certa noção de arquitetura para os Yanomami.
A partir da relação construída com interlocutores do rio Marauiá, Thiago Benucci descreve as concepções em torno das formas de construir e habitar dos Yanomami, além de mostrar como esse povo resiste ao eterno embate em torno dos seus direitos à terra.
Por seu intermédio, acompanhamos os movimentos de agregação e de desagregação dos grupos e das moradas; os regimes de transformação das casas e dos corpos; os sentidos míticos e xamânicos em torno das categorias do perecível e do imperecível, adentrando em um modo de existência radicalmente oposto ao da exploração da terra causada pela civilização industrial que, cada vez mais, nos destina ao colapso.
THIAGO BENUCCI
É professor, arquiteto e antropólogo. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais, sob orientação de Renata Marquez. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Associação Escola da Cidade e mestre em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo.
Coordenador e professor no Estúdio Vertical da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Escola da Cidade, e professor também na Fábrica-Escola de Humanidades, ensino médio da mesma associação (AEC) em São Paulo. Coordenou também um grupo de alunos do escritório modelo BASE, da Escola da Cidade, em torno do projeto da Biblioteca Guarani na aldeia Kalipety (Terra Indígena Tenondé Porã, São Paulo), em parceria com Jerá Guarani. Recentemente, ofereceu também as disciplinas eletivas Arquitetura no Antropoceno: impasses e possibilidades (com o coletivo Ruinorama, UFMG, UFRJ e PUC-RJ), Por umas arquiteturas indígenas e Arquitetura, literatura e o território: um encontro entre a Escola da Cidade e a Festa Literária de Paraty que resultou no espetáculo de abertura Mutação de Apoteose com o Teatro Oficina, sob direção de Camila Mota.
Desde 2016, aprende e colabora com o povo Yanomami do rio Marauiá (Amazonas, Brasil). A partir da Instrução para a construção de escolas indígenas diferenciadas nas comunidades yanomami do rio Marauiá, realizou a construção da Escola Omawë, na aldeia Pukima Cachoeira, e da Escola Suhirina, na aldeia Raita, em parceria com Daniel Jabra e com apoio da Fondation 3% Tiers-Monde.
Integra o coletivo Ruinorama, um grupo de prática-pesquisa com integrantes de diferentes regiões e universidades do Brasil, interessado na intersecção entre as questões relacionadas ao Antropoceno, aos estudos multiespécies e às cosmologias afro-indígenas, desde uma perspectiva crítica da arquitetura e do urbanismo. Na Trienal de Arquitectura de Lisboa 2022 - Terra, o coletivo Ruinorama apresentou, em instalação sonora e publicada, o trabalho Chronicles from Extraction to Demolition.
A convite da cineasta Renee Nader, realizou o projeto e construção do Espaço Mentuwajê, na aldeia Pedra Branca (Terra Indígena Krahô, Tocantins), um espaço de formação audiovisual aos jovens do grupo Mentuwajê Guardiões da Cultura, que realizaram um vídeo-documentário sobre a obra. Colaborando com Rosenbaum, participou dos projetos Toca das Possibilidades e da Casa da Carnaúba, em Várzea Queimada no Piauí, e da Farm Moema, em São Paulo, dentre outros trabalhos. Com Gui Paoliello Arquiteto colaborou em projetos como Casa Morro Cavado, Casa Acaiacá, Casa na Mantiqueira e Casa Granja Viana. Colaborou também com os escritórios Una Arquitetos e H+F Arquitetos. Foi premiado em segundo lugar no concurso Mextrópoli da Cidade do México com o projeto Pavilhão de Ar, agraciado com o Prêmio IABSP 2018 na categoria Arquitetura Efêmera - Projeto.
ESTUDOS
Coleção que conta atualmente com mais de trezentos títulos de filosofia, psicanálise, crítica, literatura, arquitetura, semiótica, entre outros que já se tornaram clássicos das ciências humanas, e que é voltada para abordagens que aprofundam e ampliam seus temas.
DA CAPA
Imagem da capa: Jirau (ihira) com triângulo de redes em torno da fogueira na casa de Claudio, pajé do Pukima Cachoeira, 2020. Foto do autor.
TRECHOS DO LIVRO
DA APRESENTAÇÃO {de Maurício Iximawëteri Yanomami}
Quando abrimos um novo xapono (“casa-aldeia”), limpamos um grande terreiro, para também plantarmos nas roças ao redor os pés de banana, macaxeira, taioba e outras plantas. O trabalho é coletivo, todo mundo limpa, planta e constrói. Enquanto isso, alguns vão atrás de madeira, palha e cipó para levantar as casas. E quando tudo estiver preparado, a liderança marca com passos os espaços onde as famílias podem construir suas casas. Casa pessoa pode, então, escolher o tipo de casa que quer construir, com telhado de uma ou duas águas. Depois das construções prontas, tiramos os troncos das grandes árvores do pátio do xapono, deixando-o bem limpo para realizarmos nossos rituais, danças e pajelanças.
DO PREFÁCIO {de Pedro Cesarino}
A casa deve ser, portanto, um envoltório para tais práticas vitais pensadas a partir das relações sociais e não a despeito delas. A produção material envolvida na construção arquitetônica não substitui pessoas ou as discrimina em função da propriedade ou do status, mas sim as produz como uma consequência do viver junto. Isso não quer dizer que as pessoas Yanomami vivam em alguma espécie de comunismo primitivo edênico (que só existe no imaginário dos invasores), mas que a posse do espaço habitado se constrói por intermédio de vínculos derivados do encontro, da aliança e da produção de parentesco.
INTRODUÇÃO
Em uma das tardes da assembleia, sugeri ao Maurício Iximawëteri, hábil tradutor yanomamɨ, que pensasse na reinvenção da palavra “arquitetura”. Passados alguns minutos, o estimado tradutor virou para o meu lado da carteira e disse, de modo certeiro, como quem resolve uma charada: “yãatamotima”. “Yãatamotima quer dizer como fazer as casas”, explicou-me Maurício, num breve intervalo da complicada tradução simultânea que ele fazia, sentado entre nós, ao pé do nosso ouvido. Longe da aldeia e dessa vez retomando o esforço tradutório em seu sentido inverso, penso que o conceito de yãatamotima poderia ser retraduzido por “o jeito de pendurar redes”. A retradução reinventa com alguma liberdade e criatividade poética a análise mais literal dos morfemas que compõem a palavra criada por Maurício. Em todo caso, procura, assim, desvelar as implicações de ordem conceitual àquilo que nós, não indígenas, chamamos de arquitetura ou, nesse caso, de arquitetura yanomami.
2. TERRA-FLORESTA
“Tudo tem espírito”, é o que diz Adriano e o que sempre dizem os Yanomamɨ. Ventos e tempestades, mas também os carros e os barcos.
3. TAPIRI {PR3p79}
Os pernoites durante as viagens pelo rio, entretanto, nunca são feitos em algum xapono, independentemente de ser aliado ou não. A restrição, bastante implícita no planejamento das viagens, provavelmente pretende evitar a completa destituição das prerrogativas cerimoniais que o pernoite no xapono de um grupo aliado costuma prever, tal como numa festa reahu ou numa assembleia da associação. Ao mesmo tempo, a restrição parece decorrer também de razões sociopolíticas, evitando conflitos latentes que podem ser disparados pela permanência junto aos residentes de tal xapono, resultando, inclusive, em ataques ou feitiços causados pelos pajés locais. Assim, não se dorme “à toa”, como se diz, num xapono alheio. Dessa forma, os yãno nas margens do rio reinventam os mesmos yãno que eram construídos ao longo das trilhas pela mata que conectavam (ou ainda conectam, em poucos casos) os xapono vizinhos e aliados. Desde a década de 1990, ao que parece, com o acesso facilitado a botes e canoas e a motores à combustão – comprados, trocados ou ganhados, como vimos na prática dos missionários salesianos que davam barcos “de presente” para facilitar o contato e a aproximação –, os caminhos que conectam os xapono foram substituídos pelos caminhos fluviais, mais ágeis de serem percorridos, menos cansativos fisicamente, mas, sobretudo, muito mais eficazes para transportar cargas e materiais dos mais diversos, tanto pelos Yanomamɨ quanto pelos serviços de saúde ou educação do Estado e município – estes, como vimos acima, estimularam essa nova prática a fim de facilitar a logística e a gestão dos postos, escolas e afins.
4. CASA-ALDEIA
É essa geografia dinâmica do parentesco que também orienta a responsabilidade pela construção das casas de cada família, levadas a cabo, sobretudo, pelos genros atuais ou pretendentes e pelos filhos ou netos da casa. No caso de um casamento uxorilocal, no qual o homem muda para o xapono e para a casa da família da noiva, por exemplo, é comum que após alguns anos o casal saia dessa casa e retorne para o xapono onde habita o grupo familiar do marido, se reintegrando na seção familiar virilocal e construindo sua própria casa. Nesse caso, o casal provavelmente terá seus filhos novos demais para o trabalho na construção ou para outros casamentos, de modo que é o marido que deverá se responsabilizar pela construção da nova casa da família, contando eventualmente com a ajuda de seus irmãos. No entanto, se o grupo familiar de sua esposa construir uma nova casa ou mudar de xapono, o casal pode voltar para a casa da família da noiva para que o genro possa trabalhar para o sogro na constru- ção da sua nova morada, tarefa essa que pode ser coordenada junto dos demais genros ou cunhados, mas que demanda grande dedicação sob auspício do sogro e chefe de família. O mesmo trabalho duplo de construção das casas ocorre também quando o casamento se dá nos contornos do próprio xapono, em que o jovem marido deve construir sua casa e, quando necessário, trabalhar detidamente também na construção da casa de seu sogro, assim como na abertura e no cuidado cotidiano de suas respectivas roças, até que a família se organize e, de forma autônoma, tenha seus próprios genros e seus próprios roçados.
6. CASA-MONTANHA
A partir desse momento, ele passa a receber, mediado pelo pajé “professor”, os hekura considerados como mais fortes e mais potentes. Tal é o caso do próprio Wakariwë – o “carregador” da casa, como me disse Maurício –, hekura reconhecido pela sua força extrema, já que com seus braços e garras pode destroçar os seres maléficos relacionados às doenças que ameaçam as pessoas. Ainda segundo Francisco, é com a chegada do pei makɨ “que vão ficar todos, assim, morando nessa casa; vai ser como se cada um tivesse um quarto, cada um na sua rede, em umas fileiras”. Reunidos assim no interior de tal casa-montanha, “os espíritos vão conversar e ver se o pajé vai ser bom mesmo, se é bem cuidado mesmo, se ele quer ser pajé mesmo, aí eles vão ficar”. Com o tempo, outros hekura podem, no entanto, adentrar e povoar ainda mais tal morada e assim vai “enchendo, enchendo, abrindo mais espaço”; vai “aumentando, aumentando, aumentando, até acabar a vida, aí o espírito vai embora […] e depois tem que refazer de novo, ensinar outro de novo”.
DO POSFÁCIO {PR3p231}
Talvez o mais cauteloso seja dizer, por enquanto, que este é um livro não de arquitetura, mas um livro para arquiteturas, arquiteturas não ainda pensadas enquanto arquitetura. Desnecessário dizer que, ao nos apresentar um tanto de habilidades importantíssimas e fundamentais que precisamos aprender para habitar, coexistir, construir e cuidar no Antropoceno, habilidades que deveriam fazer parte do repertório conceitual e operativo dos arquitetos e arquitetas, o problema do “não ainda” não é do livro em si, mas da arquitetura. Um problema típico dessas práticas humanistas caducas que têm dificuldade com a abertura que as possibilidades “não só” apresentam. O importante, porém, é que as habilidades que este livro generosamente nos oferta, pulando a cerca-elétrica disciplinar e afrontando o impasse em que estamos metidos, requerem, pelo menos, que sejamos capazes de compreendê-las. E para isso será preciso desinventar profundamente a arquitetura como a concebemos e conhecemos.
CURIOSIDADES
1- o Brasil, os primeiros encontros diretos de grupos ianomâmis com não indígenas ocorreram entre as décadas de 1910 a 1940.
2- A família linguística ianomâmi não é vinculada a nenhum outro tronco linguístico. Possui seis línguas e dezesseis dialetos.
3- O povo ianomâmi tem a maior terra indígena do Brasil, localizada em Roraima, Amazonas e parte da Venezuela, com 10 milhões de hectares, mais de 390 comunidades e 30 mil indígenas.
4- A terra indígena foi homologada por um decreto presidencial em maio de 1992.
5- A taxa de mortalidade dos ianomâmis foi a maior do Brasil no primeiro ano da pandemia, com 10,7 óbitos para cada mil habitantes (a média nacional foi de 7,4). Isso se deveu ao garimpo ilegal na Terra Yanomami.
SUMARIO
Apresentação – Maurício Iximawëteri Yanomami
Prefácio – Pedro Cesarino
Introdução
PARTE I
1. Sangue da Lua
2. Terra-Floresta
PARTE II
3. Tapiri
4. Casa-Aldeia
PARTE III
5. Viver Junto
6. Casa-Montanha
Epílogo: Assim É
Posfácio – Wellington Cançado
Referências
Notas
Agradecimentos
FICHA TÉCNICA
Thiago Benucci
Apresentação: Maurício Iximawëteri Yanomami
Prefácio: Pedro Cesarino
Posfácio: Wellington Cançado
Coleção Estudos [E388]
Arquitetura / Etnografia
IMPRESSO
brochura
13,5 x 22,5 cm
288 páginas
ISBN 978-65-5505-240-4
Lançamento 21 mar
EBOOK
ISBN 978-65-5505-241-1
Lançamento 21 mar
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