PSICOLOGIA DA COLONIZAÇÃO
Octave Mannoni
Prefácio à edição brasileira: Maria Lúcia da Silva e Andréa Máris Campos Guerra
Prefácio: Livio Boni
Tradução: Marise Levy Warhaftig
SINOPSE
Obra clássica, a primeira que enfrenta os efeitos perversos da colonização nas populações invadidas, num projeto de “avançar no domínio obscuro e impreciso da psicologia inter-racial”, e visionária ao prever os efeitos duradouros e potencialmente traumáticos que adviriam desse processo, mesmo depois da independência desses territórios, afetando colonizados e colonizadores e contaminando profundamente as relações tanto interpessoais quanto internacionais. Não por acaso, tornou-se obra de referência para os estudos pós-coloniais.
Por seu estilo direto, sensível (Mannoni viveu muitos anos como professor em Madagascar, convivendo no ambiente de revolta dos locais contra os colonizadores franceses) e honesto, Psicologia da Colonização é um livro de difícil classificação, reunindo elementos etnográficos, psicológicos, pessoais e críticos.
Mesmo tendo sido muito combatido, com críticos contundentes como Aimé Césaire e Frantz Fanon, seu caráter pioneiro, a coragem de abordar a questão racial e a denúncia da violência colonial colocaram – e colocam -- o livro como um elemento centro de um dos debates mais importantes dos tempos atuais.
QUARTA-CAPA
Obra já clássica para os estudos decoloniais e pioneira ao examinar e procurar compreender os laços psíquicos implícitos no processo colonial europeu, à época em seu auge. Psicologia da Colonização foi publicado pela primeira vez em 1950, no rastro da revolta malgaxe contra os franceses. Ao tentar definir a natureza dos vínculos psicológicos existentes entre colonizador e colonizado, o livro causou muita polêmica e muitos debates, levando seu autor a fazer inserções nas edições posteriores do livro e que constam desta edição.
Com enorme desenvoltura e sagacidade, Octave Mannoni lança mão de sua capacidade de observação e de sua formação como psicanalista para atrever-se na dura seara da autorresponsabilização crítica diante da crueldade do fenômeno colonial, expondo-se ao escrutínio dos dois lados de uma disputa que desafia nossa condição de humanos.
Com uma análise profundamente pessoal, fruto já de seu encontro com Lacan, e dono de uma prosa vivaz, Mannoni mostrou-se certeiro ao afirmar que os vínculos psicológicos transcenderiam a duração histórica do processo colonial, se inscrevendo assim como uma obra premonitória, pós-colonial em sua concepção e abordagem.
A presente edição inclui “The Decolonization of Myself” e “‘Terrains’ de Mission?”, textos em que o autor responde às críticas que a obra recebeu.
OCTAVE MANNONI
Octave Mannoni nasceu em Lamotte-Beuvron, onde o seu pai dirigia a colônia penal de Saint-Maurice, em 1899. Concluiu os estudos secundários no liceu de Orléans, e não pode seguir para o ensino superior, pois foi mobilizado em 1918 durante a Primeira Guerra Mundial. É quando casa-se pela primeira vez e tem duas filhas. Retoma os estudos de filosofia na Universidade de Estrasburgo após a guerra e obtém um diploma de Filosofia. Leciona no liceu de Altkirch (1924), depois no Liceu Schoelcher na Martinica (1925-1928), onde foi um dos incentivadores, com Gilbert Gratiant e Raymond Burgard, da revista Lucioles, cujo primeiro número foi publicado em 1927. Depois lecionou no liceu Leconte, em São Dinis, no departamento francês de Reunião (1928-1931), a leste de Madagascar. Ele permaneceu em Madagascar de 1931 a 1945, como professor de literatura e filosofia na escola secundária Gallieni, em Antananarivo, a capital do país. Foi diretor do serviço de informação da ilha e, por um breve período, responsável pela Revue de Madagascar. Percorreu a ilha em parceria com o botânico Pierre Boiteau, devido a seu interesse pela botânica e fez reportagens fotográficas. Defendeu a independência de Madagáscar, o que o levou à destituição do cargo no final de 1947. Regressou então, em definitivo, a Paris em janeiro de 1948. Em Paris, retomou com Jacques Lacan uma análise iniciada em 1946 e torna-se psicanalista. Casa-se novamente em 1948 com Maud Mannoni, analista infantil, com quem tem um filho. Após a dissolução da Escola Freudiana de Paris em 1980, participou com Maud e Patrick Guyomard da criação do Centro de Formação e Pesquisa Psicanalítica (CFRP) em 1982. Falece em Paris, em julho de 1989.
PSICANÁLISES PLURAIS
Psicanálises Plurais é uma coleção dedicada a tensionar os limites da psicanálise como ferramenta de transformação social e política, com obras que introduzem o debate da descolonialização e da multicentralidade do conhecimento.
DA CAPA
Colagem sobre foto de Diego Delso, Baobá de Botsuana, com figura de um combatente malgaxe em foto histórica de 1947.
A inversão da paleta de cor da paisagem de um baobá na África invoca um cenário de estranhamento, com um rumor apocalíptico, enquanto um combatente malgaxe na luta contra o domínio colonial francês posa para um retrato.
O QUE DIZ O AUTOR
Foi uma surpresa para mim – certamente desagradável, mas reveladora de alguma coisa – encontrar-me, de alguns lados, atacado em meu próprio projeto, como se houvesse algo de desonesto em querer buscar uma explicação psicológica para as dificuldades da situação colonial. E logo fui obrigado a dar-me conta de que meu livro não teria como não ser interpretado em um sentido político, aliás, de maneiras diversas. Deixando de lado certas utilizações abusivas e injustificáveis, aliás, raras, eu podia me assegurar constatando que meu trabalho desmistificava os leitores. Pude ver que ele esboçava também algum misticismo, que era, de fato, útil à causa anticolonialista. Não podia ser evitado, e a dificuldade não se referia a isso. Era necessário que eu fosse mais longe e me questionasse sobre a posição daquele que propõe explicações psicológicas em um domínio desse tipo.
TRECHOS
DO PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
Talvez sirva a muitos senhores e cubra todas essas possibilidades. O que nos coloca de saída a questão: o que a obra sutura? A que ela responde? Sua leitura certamente produzirá em cada leitor(a) uma interpretação distinta. Fato é que inaugura uma reflexão honesta face às heterodoxas questões da vida na colônia, orquestradas pelo racismo como estrutura de distribuição de riquezas, de saberes e de poderes. O que instala efeitos indeléveis, como o próprio autor destaca, no nível da resposta inconsciente e sintomática daqueles que viveram sob o regime imperial nas colônias e sobre os que viverão sobre seus escombros, fantasmas e ruínas.
AS MÚLTIPLAS VIDAS DE UM LIVRO INOPORTUNO
Recebido no momento de sua publicação, em 1950, por uma verdadeira onda de protestos, tanto da parte dos marxistas ortodoxos, quanto dos principais defensores da negritude – Alioune Diop, Aimé Césaire, mas também Frantz Fanon, que o criticou vigorosamente em Pele Negra, Máscaras Brancas, ainda que reconhecendo seu papel de pioneiro –, Psicologia da Colonização terá sido decididamente um livro inoportuno. Não apenas pelo fato de representar na época a primeiríssima tentativa de descrição da economia libidinal inconsciente própria do mundo colonial – mundo que o autor conhecia intimamente –, mas também na medida em que dava a entender que a relação colonial não pode desaparecer de repente, mesmo após a emancipação dos povos colonizados. Dito de outra forma, ainda que tenha sido escrito no final dos anos 1940, em uma época em que as descolonizações tinham apenas começado, já adotava uma perspectiva pós-colonial, sugerindo que os efeitos da experiência colonial seriam a longo prazo, tanto para os antigos colonizados, como para os antigos colonizadores, e isso só poderia desorientar os que compunham a frente anticolonial. Contudo, a despeito da perturbação que ele suscitara nestes últimos, não deixou de produzir efeitos notáveis a posteriori, particularmente após o fim da Guerra da Argélia e no mundo anglófono.
A relação de dependência supõe no mínimo dois termos; e, em uma situação colonial, se um dos termos é o colonizado, o outro pode ser o colonizador. Ou melhor, é o colonial que constitui um tipo humano mais interessante, do meu ponto de vista. O homem que merece verdadeiramente o nome de “colonizador” é quase necessariamente uma personalidade forte que não é submetida às primeiras relações, mas as instaura. Somente então se torna colonial. O colonial típico encontra a relação constituída, ele se instala e se acomoda ali; muito frequentemente, ele a explora. Em todo caso, seja ele submetido a essa relação, à revelia, seja apegado a ela com avidez, o fato é que ela mais o transforma do que é por ele modificada. Essa transformação, especificamente, o caracteriza, faz dele um colonial. Precisamos agora estudá-la se quisermos apreender claramente a natureza psicológica dos vínculos entre o europeu colonial e o autóctone dependente, e compreender como e por que essas relações evoluem com o tempo e como agem sobre os dois termos.
O alcance da explicação psicológica é limitado; ela permite superar certas atitudes racistas, ou, em todo caso, denunciá-las quando é incapaz de corrigi-las. A questão, aliás, não é fácil; o racismo não entra de maneira definida em uma classificação nosográfica; é, antes, do ponto de vista da patologia, um sintoma que não tem absolutamente o mesmo significado, por exemplo, em um paranoico; em um perverso; e, além disso, pode perfeitamente ser encontrado em personalidades “normais”. Esse tipo de questões pode interessar, deve interessar a todo psicanalista.
O racista nega a semelhança universal de todos os homens, e o contestamos restabelecendo essa semelhança; todavia, o problema real não se coloca em termos de semelhança, mas precisamente em termos de diferença, a questão é saber o que os homens farão com suas diferenças, e não as eliminar.
[As] diferenças [raciais] tornar-se-ão os significantes, os quais permitirão, de forma clara ou confusa, colocar enfim o enunciado entre os homens, como se o encontro do branco e o negro, longe de ser o encontro de dois homens-sem-diferença, fosse o encontro da diferença em estado puro, a diferença sem significado natural, que se torna o símbolo, simultaneamente evidente e absurdo, daquilo que vai mal nas relações humanas e, no que nos concerne, do que vai mal no mundo dos brancos.
Se a presença do negro sobre esse planeta coloca um verdadeiro desafio aos brancos, não se trata, segundo os esquemas milenares, de uma oposição entre raças, semelhante a uma guerra fria entre as grandes populações que teriam como fronteira a cor de sua pele, de tal maneira que cairíamos na antiga alternativa tão frequentemente fatal no passado da humanidade: como estabelecer a paz ou, na sua falta, como ganhar a guerra? Mesmo o contrarracismo negro, que por uma falsa simetria tendemos a colocar em frente ao racismo branco, está longe de ter a mesma natureza: ele é uma oposição às concepções e às práticas morais e políticas dos brancos. É a coexistência dos homens entre si, e não somente das raças, que está em questão; e, a esse questionamento, é o universalista, ou seja, o puro antirracista, que resiste, afirmando que os homens já coexistiriam de modo satisfatório se somente conseguíssemos dissipar os preconceitos, as ilusões, os fantasmas – a loucura dos adversários; para dissipá-los, conta com os psicólogos.
SUMARIO
Prefácio à Edição Brasileira – Andréa Guerra e Maria Lúcia da Silva
As Múltiplas Vidas de um Livro Inoportuno – Livio Boni
Nota do Autor Para a Primeira Edição Inglesa (1956)
Nota do Autor Para a Segunda Edição Inglesa (1964)
Introdução
A DEPENDÊNCIA
1. Dependência e Inferioridade
2. O Culto dos Mortos e a Família
3. A Ameaça de Abandono
Epílogo: Os Sonhos e a Necessidade de Proteção
A INFERIORIDADE
1. Crusoé e Próspero
2. A Situação Colonial e o Racismo
DEPENDÊNCIA PSICOLÓGICA E INDEPENDÊNCIA POLÍTICA
1. A Sucessão das Gerações e a Personalidade
2. A Independência Nacional
3. Regressão, Estagnação, Progressão
4. A Administração e a Psicologia
5. O Que Fazer?
6. O Espírito Experimental
7. A Unidade Humana
ESCRITOS ANEXOS
The Decolonization of Myself
“Terrains” de Mission?
Notas
Referências
FICHA TECNICA
Octave Mannoni
Prefácio à edição brasileira: Maria Lúcia da Silva e Andréa Máris Campos Guerra
Prefácio: Livio Boni
Tradução: Marise Levy Warhaftig
Apoio à tradução: Ambassade de France au Brésil
Psicanálises Plurais/Estudos
Psicologia/Psicanálise
Formato: brochura/dura
13,5 x 22,5 cm
272 páginas
ISBN 978-65-5505-193-3
Lançamento 27 mai
EBOOK
ISBN 978-65-5505-194-0
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