RODAS NEGRAS: Capoeira, Samba, Teatro e Identidade Nacional (1930-1960)
Autor: Roberto Pereira
Prefácio: Flávio Gomes
SINOPSE
Impossível registrar os incontáveis agentes anônimos que contribuíram das mais diversas formas para a preservação e transformação por que passaram as diversas práticas da cultura afro-brasileira, assim como para a transformação da imagem e identidade do Brasil ao longo do século XX. Filhos de santo, empregadas domésticas, balconistas, cozinheiros… desempregados, ritmistas, enfim, pessoas que possuíam em comum o fato de serem negros, pobres e sonhadores. Era esse o mesmo perfil dos populares que compunham o elenco dos espetáculos do Teatro Experimental do Negro, os shows de Carlos Machado, o grupo Oxumaré, ou as rodas de capoeira das festas de largo, na Bahia, o bumba meu boi, na periferia de São Luís, o samba de roda, do recôncavo baiano, o maculelê, em Santo Amaro da Purificação. A construção de símbolos nacionais não é resultado de uma mera escolha e imposição das elites, do Estado, do capitalismo. Não é produto de mera “apropriação cultural”. Pelo contrário, o caso brasileiro é mais um exemplo de que se trata de uma complexa disputa ou de uma verdadeira guerra cultural travada entre diversos segmentos sociais em torno de práticas geralmente locais e originárias de/ou associadas a grupos étnicos.
QUARTA-CAPA
Em Rodas Negras, Roberto Pereira demonstra como as lutas pela sobrevivênvia dos capoeiras, das pretas do acarajé, dos sambistas, dos passistas do frevo, do povo do terreiro e de tantos outros, suas festas e "brincadeiras", passaram de práticas negras, marginalizadas e perseguidas, a símbolos da identidade brasileira. Isso resulta, dentre outros fatores, de uma complexa guerra cultural travada, inclusive em nosso teatro, por diversos segmentos sociais, e não simplesmente da imposição do Estado, do capitalismo ou de mera apropriação cultural - aspectos privilegiados pelos estudos que discutem essa temática. Historicamente silenciado ou secundarizado, o agenciamento da comunidade negra e pobre, dos trabalhadores, dos moradores dos morros e das periferias de norte a sul do país é um dos fatores fundamentais para se compreender o Brasil e a construção de alguns dos maiores símbolos nacionais.
ORELHA
Rodas Negras é um dos estudos mais criativos e bem pesquisados sobre um tema clássico na literatura histórica e sociológica brasileira: o problema da transformação de práticas folclóricas, artísticas, e simbólicas negras em elementos imaginados como parte da cultura brasileira e constitutivos da identidade nacional ao longo da primeira metade do século vinte. Boa parte dessa literatura apostou metodologicamente na análise de agentes e instituições do Estado, no acompanhamento de trajetórias intelectuais consideradas paradigmáticas e na análise, em estilo close reading, de obras canônicas do chamado pensamento social brasileiro para enfrentar essa questão. Por esse caminho, construíram a difundida visão acerca da centralidade da ação estatal sob a direção de Vargas (1930-1945) e da atuação de escritores ligados ao modernismo paulista, como Mario e Oswald de Andrade, ou de notáveis ensaístas como Gilberto Freyre, dentre outros medalhões, como pilares desse processo de legitimação cultural. O aspecto mais notável do livro de Roberto Pereira é o modo como o autor enfrenta esse senso comum erudito, tanto no plano metodológico como no interpretativo. O uso de uma metodologia comparativa entre regiões distintas do país – em especial, as cidades do Rio de Janeiro e Salvador –, bem como entre práticas diversas (samba, capoeira e teatro), lhe permitiu escapar ao tosco regionalismo sudestino que chama de “nacional” o que se passa apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro e também lançar um olhar detalhado e matizado para especificidades de práticas artísticas e simbólicas hodiernamente homogeneizadas sob o rótulo de “cultura negra”. Esse movimento lhe permitiu desafiar a cronologia tradicional, segundo a qual a arte da capoeira teria sido “liberada”, “descriminalizada”, “nacionalizada”, durante os anos 1930, tendo no próprio presidente, Getúlio Vargas, uma figura de proa. Trata-se de uma transposição irrefletida dos parcos investimentos do Estado no samba carioca, que datam dessa época, para a capoeira. Mesmo o samba carioca, argumenta o autor, precisaria ir muito além dos anos 1930 para se tornar conhecido e reconhecido como um símbolo nacional e não apenas carioca. A partir desses achados, Roberto Pereira relativiza o papel concedido pelas análises ao Estado e aos intelectuais de estirpe para observar a importância e a insistência dos próprios capoeiras, sambistas e mestres da cultura popular em manter vivas suas tradições, a despeito do racismo, da humilhação da pobreza e da ausência de auxílios governamentais ou filantrópicos. Ele devolve a essa imensa maioria de homens e mulheres esquecidos na história da cultura brasileira o protagonismo que lhes é devido na construção de ideias como “mestiçagem”, “raça”, “povo” e “negritude” na imaginação de nossa identidade nacional. Noutra direção, a análise sobre o teatro, de grupos como o Balé Folclórico Mercedes Baptista, o Brasiliana, liderado por Haroldo Costa/Miécio Askanasy, e o Teatro Popular Brasileiro, de Solano Trindade, lançam foco sobre a importância dos anos 1950 e do mercado de entretenimento para criar e difundir a percepção das culturas negras como parte central da cultura brasileira, deslocando, uma vez mais, a estatolatria reinante em análises do gênero. Por todas essas razões, Rodas Negras se impõe como uma leitura incontornável para todos os interessados no tema das relações entre raça, cultura e nação no Brasil
ROBERTO PEREIRA
Documentarista, professor, capoeirista, licenciado em História pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ. Foi ainda visiting fellow no Departamento de História da Universidade de Harvard. É autor do livro A Capoeira do Maranhão Entre as Décadas de 1870-1930 (Iphan/2019).
COLEÇÃO ESTUDOS
A coleção Estudos propõe-se a publicar ensaios críticos e pesquisas tratados em profundidade, com sólida argumentação teórica nos mais variados campos do conhecimento. A coleção forma, junto com a Debates, a marca de identificação da editora em nosso mercado.
DA CAPA
Imagem da capa: Composição a partir de anúncio de espetáculo do Teatro Folclórico Brasileiro, no jornal Correio da Manhã, de 21 de julho de 1951.
TRECHOS
DO PREFÁCIO
[de Flávio Gomes]
Signos e os sentidos de performance também seriam acionados num mercado que envolvia balanças, pesos e interesses. Não foi necessário alardear batalhas retumbantes – de vitórias ou fracassos – para encontrar guerras permanentes, com pessoas que disputavam suportes de identidade e cidadania. A cultura estava aí e não em lugar do lazer. Com isso, a perspectiva não foi apenas transformar folcloristas em algozes. Pelo contrário, foi fundamental perceber discursos cruzados, com leituras conectadas e tradições inventadas. Assim, processos de formatações culturais e de supostas identidades nacionais realocavam mitos, símbolos, estigmas e narrativas de harmonia e exclusão. Roberto argumenta sobre as agências – discursivas e experimentais – de mobilização nesse processo de reinvenção daquilo que identifica como “cultura negra”, sempre na perspectiva da modernidade e intercruzada com etnicidade e dimensões de classe.
DO LIVRO
Analisando a bibliografia sobre o tema, notei que diversos autores nacionais e estrangeiros, estudiosos de assuntos relacionados à nação, à identidade e à raça, evidenciaram, corretamente, como fator importante para a transformação de manifestações étnicas em nacionais, o papel da intelectualidade e as alianças costuradas pelas camadas negras e populares com setores da elite, além do apoio de setores da imprensa.
Uma outra interpretação, ainda bastante forte no meio acadêmico e mesmo no senso comum, explica a transformação de manifestações negras em símbolos nacionais, de forma simplista, como resultado de uma suposta “apropriação cultural”. A partir dessa perspectiva, as elites ou o Estado, em um determinado momento, decidem maquiavelicamente se apossar das produções culturais dos setores oprimidos e explorados, “esvaziando”, contudo, sua essência. Isso teria acontecido com o samba e a capoeira, por exemplo.
Na verdade, Vargas, com mais intensidade a partir do Estado Novo, dava continuidade a uma política de repressão à “vadiagem”, que vinha sendo implementada no Brasil desde os fins do século XIX19. Note-se que entre esses agentes sociais tidos como vadios, vagabundos, malandros e desocupados concentrava-se todo o nicho da capoeiragem de rua em vários pontos do Brasil, composta tanto por trabalhadores, em sua maioria negros e pobres, que por muitas vezes se envolviam em brigas de rua e, desse modo, também eram vistos como um problema, assim como outros sem ocupação regular.
A trajetória do samba tem grandes semelhanças com a da capoeira e já foi objeto dos mais diversos estudos. Pelo que indicam as fontes, podemos destacar primeiramente que a repressão ao samba, havida até as primeiras décadas do século XX, seguiu, de um modo geral, o mesmo padrão da perseguição aos capoeiras, apesar de esta última ser legalmente criminalizada, e o samba não. Além do mais, essas diversas manifestações negras tinham, em geral, os mesmos agentes sociais e eram praticadas em ambientes parecidos ou nos mesmos lugares.
A constituição do que viriam a ser os símbolos estaduais e nacionais foi produto de uma longa guerra cultural. Como destaca o antropólogo britânico Peter Wade, ao se referir ao caso da constituição da música costenha como música nacional da Colômbia, a construção da identidade nacional envolve um complexo diálogo entre uma necessidade de consolidação de uma homogeneidade nacional, em meio a uma heterogeneidade perpassada por relações de raça, classe e território.
Tratava-se de um processo em construção, pois, contraditoriamente, ao mesmo tempo em que essas práticas eram, por um lado, celebradas nos palcos nacionais e internacionais, em revistas e jornais, por outro, ainda enfrentavam muitas barreiras nas ruas, sendo mal vistas, discriminadas e reprimidas, tendo que pagar taxas exorbitantes para se apresentarem etc.
SUMARIO
Prefácio: CULTURAS ATLÂNTICAS ENTRE MARES AGITADOS [Flávio Gomes]
INTRODUÇÃO
Alguns Conceitos e Referências
O Método e as Fontes
Visão Geral
1. A “ERA VARGAS” E O GOLPE DE MISERICÓRDIA NA CAPOEIRA DE RUA
Do “Recolhimento Histórico dos Valentões/Capoeiras”: Rio de Janeiro, Salvador, São Luís
A Capoeira em uma Encruzilhada: Remanescentes da Capoeira Antiga
2. A CONSTRUÇÃO DE SÍMBOLOS NACIONAIS: Uma Comparação Entre a Capoeira Baiana e o Samba Carioca
Desconstruindo o Mito da Redenção da Capoeira Pelas Mãos do Varguismo
Samba: A Exceção à Regra
3. A CULTURA NEGRA E POPULAR EM MEIO A “VELHAS” E NOVAS TEORIAS: O Caso da Capoeira
Zuma, Bimba, Sinhozinho: Intelectuais Mediadores
Sinhozinho e o Diário de Notícias: Capoeiragem Para as “Distintas Famílias”
Inserindo a Herança Racial ou Cultural Afro-Brasileira no Centro das Imagens da Nação
4. PERFORMANCE: Os Capoeiras Voltam aos Ringues em Defesa da “Luta Genuinamente Brasileira”
Apropriação Cultural?
“Capoeira Gospel” e “Bolinho de Jesus”: Disputas Intestinas e Assimilação de Novos Mercados
5. O MFB, O ESTADO E AS MANIFESTAÇÕES DA CULTURA NEGRA E POPULAR
Reconfigurando a Atuação do Estado
O MFB e a Gênese da Institucionalização das Políticas Culturais no Brasil
6. “A DESCOBERTA DO NEGRO”: Agenciamento Cultural, Performance e Entretenimento ou Celebrando a Cultura Negra Como Cultura Nacional
Brasiliana: “Um Grupo de Entusiastas das Coisas Brasileiras”
O “Rei da Noite”: Da Influência Francesa à Celebração do “Autêntico” Folclore Nacional
O Balé Folclórico Mercedes Baptista e a Companhia Oxumaré
O “Fato Folclórico Baiano Tornou-se Material de Exportação”
Nos Palcos, em Meio a uma Guerra Cultural
“Redescoberta da África”?
Nos Palcos do Movimento Folclórico Brasileiro e nas Telas do Cinema
A Bahia Entra em Cena – O Grupo Folclórico Viva Bahia
Sem Mercado de Entretenimento e Sem Apoio do Estado
UMA PALAVRA FINAL
Referências
Agradecimentos
FICHA TÉCNICA
Autor: Roberto Pereira
Prefácio: Flávio Gomes
Coleção Estudos [E382]
Assunto: História / Antropologia
Formato: Impresso - brochura
Tamanho: 13,5 x 22,5 cm
304 páginas
ISBN 978-65-5505-151-3
R$ 84,90
Lançamento 30 junho
EBOOK
ISBN 978-65-5505-152-0
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