SAÚDE MENTAL E RELAÇÕES RACIAIS
Desnorteamento, Aquilombação e Antimanicolonialidade
Emiliano de Camargo David
Apresentação: Maria Cristina G. Vincentin e Lia Vainer Schucman
Prefácio: Rachel Gouveia e Sônia Barros
Posfácio: Suely Rolnik
SINOPSE
De maneira muito original, o autor traz uma perspectiva interseccional para o debate sobre a loucura no Brasil. Demonstra como o racismo está engendrado nos mecanismos de manicomialização e como o ambiente social age para tornar vulneráveis pessoas negras, indígenas, condição social e também mulheres e LGBTQIA+.
A partir de conceitos como desnorteamento, descolonização e aquilombação, e apoiado em sua própria atuação como trabalhador na Rede de Atenção Psicossocial ligada ao SUS, Emiliano de Camargo David faz uma defesa contundente pelo fim das internações e pelo desmonte dos manicômios, em favor da construção de um sistema coordenado de atenção e cuidado à saúde mental das populações brasileiras marginalizadas, em que o indivíduo seja atendido e apoiado em sua própria comunidade, em seu próprio território. Este processo, que chama de antimanicolonial,é aquele que permite o reforçamento/reconstrução de vínculos afetivos e estruturais no interior da comunidade, entre indivíduos, entre indivíduo e a coletivadade e na relação indivíduo/comunidade/território. Uma visão renovadora e inovadora para a luta antimanicomial e que desnuda, ao mesmo tempo, os vários preconceitos (raciais, étnicos, de gênero) que permeiam as relações interpessoais e institucionais no Brasil.
QUARTA-CAPA
Vivemos em um país no qual classe, gênero e cor da pele sempre foram os pilares das manicomializações, como estratégia de apagamento e silenciamento do corpo indesejado. Até por isso pouco se fala do perfil dessas pessoas que os “brasileiros” querem ver longe. Emiliano de Camargo David vê no desnorteamento da (des)razão, no rompimento com as dimensões patriarcais/machistas e coloniais/racistas que ancoram a razão ocidental, com seu horror à diferença, na descolonização e no aquilombamento da saúde mental, entendido como a reparação dos laços que foram rompidos entre o indivíduo e a comunidade, as bases para a reforma psiquiátrica e o movimento antimanicolonial, na busca por um sistema de atenção à saúde mental que seja inclusivo, respeite os direitos e as garantias individuais e se guie pela ciência e pelo afeto, levando em conta o respeito às diferenças. Saúde Mental e Relações Raciais é sobre como fazer e sobre como isso vem sendo feito em parte por coletivos que resolveram enfrentar a situação.
ORELHA
[por Márcio Farias]
Professor do Departamento Psicologia Social PUC-SP e coordenador de Pesquisa do Instituto Amma Psique e Negritude
Ao longo da história, a Europa foi o norte que orientou as formulações sobre os mais variados âmbitos da vida e da sociedade no Brasil. Tanto o pensamento da ordem como o contestador tiveram na Europa e em seus intelectuais o arcabouço básico para se refletir sobre os rumos da sociedade brasileira.
A reforma psiquiátrica brasileira não fugiu à regra: inspirada no modelo de desinstitucionalização italiano, conjugada com uma perspectiva de cuidado crítico francês, cumpriu papel fundamental de propor um tratamento digno e cidadão aos internados brasileiros. Mas, afinal, quem são esses loucos? Numa sociedade marcada pelo conflito racial desde a Colônia, a loucura atravessa a história deste país a partir dos marcadores de raça e classe. A nau dos loucos brasileira saía dos portos africanos e desembarcava no litoral brasileiro.
Reconhecer a condição de sujeito ativo dessa pessoa, exige também reconhecer que em muitas circunstâncias o louco também é negro. Esse duplo estatuto do sujeito não raras vezes foi negligenciado pela reforma psiquiátrica. Vide o tratamento unidimensional dado a Arthur Bispo do Rosário, figura emblemática para a reforma psiquiátrica, reconhecido pela sua genialidade, mas poucas vezes visto como o homem negro que era.
É a essa insurgência teórica que Emiliano Camargo David nos convida. Para cada exercício de enquadramento e normatização que desumaniza e reafirma o estigma do louco, olha-se conforme sua sugestão de contraponto para o que escapa, para a sua negação, a negação da desumanização. Por isso, aquilombar-se. Seja pela história dos quilombos, origem da nossa luta de classes, seja pela metáfora que essas comunidades que lutaram pela liberdade evoca, é sobre esse alicerce que o pensamento de Emiliano se apoia para refletir sobre novos e antigos arranjos da reforma psiquiátrica brasileira. Ao desnortear nosso pensamento, enfim, estamos diante de um pensamento original e libertador. Viva!
EMILIANO DE CAMARGO DAVID.
Emiliano de Camargo David, é psicólogo, doutor e mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP/ Bolsista CNPq), com especialização lato sensu em Psicopatologia e Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP), cujas pesquisas foram desenvolvidas na área da Saúde Mental da População Negra, propondo a aquilombação da Rede de Atenção Psicossocial e a antimanicolonialidade da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial. Atualmente, é professor adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IP/UERJ); docente colaborador do Mestrado Profissional em Atenção Psicossocial (MEPPSO) e do Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental (PROPSAM), ambos do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ). Integra o AMMA Psique e Negritude – Centro de Pesquisa, Formação e Referência em Relações raciais. Também, é membro do grupo de trabalho Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Traz como experiência o exercício, de mais de uma década, como trabalhador/psicólogo no Sistema Único de Saúde (SUS), mais especificamente, nos Centros de Atenção Psicossocial II e III (Infanto Juvenil e Adulto). Além da atuação como psicólogo clínico em consultório particular.
PALAVRAS NEGRAS
A coleção Palavras Negras reúne textos de intelectuais negros e negras, produzidos em diferentes contextos, como o acadêmico e o dos movimentos sociais. O objetivo é lançar e reeditar obras que contribuam para a análise das relações raciais no Brasil, abordando também questões de gênero e classe. Palavras Negras que inspirem reflexões e ações antirracistas.
DA CAPA
Imagem da capa: Sem título, de Raphael Domingues. Guache e nanquim sobre papel, 1948. Acervo do Museu do Inconsciente.
TRECHOS
DO PREFÁCIO
Cabe sinalizar que a manicomialização pode estar expressa tanto nas internações involuntárias ou compulsórias, justificadas na suposta anormalidade do racismo, quanto pela promoção da violência armada como parte da engrenagem de manutenção do privilégio branco. A convivência cotidiana com a violência armada, que é uma estratégia de eliminação e atualiza o punhal colonial, produz intenso sofrimento na população negra, o que exige atenção da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial. Se, por um lado, a racialização impõe aos corpos e subjetividades negras o lugar fetichizado do “crioulo doido” e da “negra maluca”, por outro há uma banalização dos homicídios, em especial da juventude negra, como um roblema para o campo da saúde mental.
DO LIVRO
Percebemos a faceta manicomial da branquitude como lógica instrumental de manutenção de poder, que promove relações de domínio da experiência subjetiva e visa impedir outras articulações de inteligibilidade e percepção de mundo. Ao se enclausurar manicomialmente na brancura, busca enclausurar o negro nos supostos signos da inferioridade e periculosidade, propicia um gradil para a incômoda intimidade com o diferente, segue o cálculo manicomial do não ao risco, opta pela tentativa da administração e do aprisionamento as disposições de afetação e se distancia dos modos descolonizados, não domesticados.
Nesse ambiente há um clima de batalha (em especial para o paciente), que tem na figura do médico um duplo lugar: de um técnico, mas também de um colonizador. Como efeito, promovem-se expressões corpóreas e verbais rígidas: “ele [paciente] responde com monossílabos, é moderado nas explicações e logo provoca a impaciência do médico”. O técnico, por sua vez, se desinveste rapidamente do diálogo, limitando-se aos exames clínicos, “entretanto, o corpo do colonizado é igualmente rígido”.
Esse cenário apresentado por Fanon é extremamente comum nos atendimentos na Rede de Atenção Psicossocial brasileira, que muitas vezes repete essa dinâmica colonial perante técnicos, com seus instrumentos do pequeno poder: jaleco, carimbo, prontuário, brancura (muitas vezes) etc.; ante usuárias(os) (pacientes) periféricas(os), pobres, muitas(os) negras(os), na sua maioria mulheres e crianças. Aí, então, a conduta se repete: falas abreviadas e corpo rígido por parte das(os) usuárias(os); exames rápidos e clínicos por parte dos técnicos, seguidos de diagnósticos que psicopatologizam a parte mais frágil desse encontro. Na saúde mental, os diagnósticos que reduzem a potência dinâmica desse encontro costumam ser deficiência intelectual, histeria, transtorno de déficit de atenção, autismo, poli queixosa, não aderente ao tratamento, dentre outros.
Se apostamos que desnortear a saúde/saúde mental é necessário para o acolhimento da população negra, LGBTQIA+, pobre e periférica, desnortear é uma saída não fixa (sair do norte em direção ao sul, ou mesmo da loucura como psicopatologização em direção a uma loucura de vida – vida desnorteada). Desnortear se faz na passagem, no deslocamento, no entre, e esse caminhar fez-se nas diásporas negras africanas (não apenas as forçadas, frutos de escravização), em uma cultura de mobilidade e mobilização que africanos exercitam historicamente, conforme dito anteriormente, numa dinâmica pré-colonial dessas sociedades.
Esse deslocamento se dá na perspectiva do passante124, que não caminha para se afastar daquilo que quer negar, ou mesmo por insatisfação; pelo contrário, quer circular o mundo, pois não se reduz às fronteiras de tradição. Nessa direção, afasta-se das identidades vitimizadoras e toma a circulação como conduta do princípio do comum.
Não à toa, faz-se necessário descolonizar a reforma psiquiátrica a partir do desnorteamento na/da desrazão, pois a orientação que até então nós, do campo antimanicomial, temos seguido não radicaliza a desrazão. Por isso, propomos que essa radicalização passa pelo rompimento com as dimensões patriarcais/machistas e coloniais/racistas que ancoram a razão ocidental, que não reconhece as diferenças, logo não acolhe a loucura e psicopatologiza a sociedade, em especial negras(os), LGBTQIA+ e mulheres.
Negro e louco são criações que visaram (e visam) excluir, aprisionando e matando esses corpos/subjetividades (de pretos e loucos), e, em contrapartida, afirmando o branco e a razão como normas. Em contraponto a essa construção histórica, convidamos ao desnorteamento, na afirmação da loucura e da negritude, afirmação essa que não estabelece fixação; pelo contrário, tem desorientação afro-atlântica, logo movimento. Nesse convite ao desnorteamento, a saúde mental brasileira não deve temer afirmar a loucura e a raça, uma vez que essa afirmação colabora com a desabilitação do caráter eurocêntrico e racista da manicomialidade.
[...] muitas das ciências que compõem a saúde mental, em especial a psicologia, “não forma[m] pessoas para atuar de acordo com a realidade do país” [Maria Lúcia da Silva]
Ambas as criações, raça e loucura, se ancoraram na razão ocidental para o seu exercício de exclusão, sendo/estando o louco e o negro excluídos do domínio da verdade e ligados à desrazão – o Fora –, ideia manicolonial que, aliançada no racismo e em suas intersecções, forja o crioulo doido e a nega maluca no Brasil.
Esta obra discute as distintas maneiras de se relacionar com esse Fora, uma vez que a desrazão também é datada historicamente. Nessa esteira, interessamo-nos pelos jogos de força que as experiências de alguns coletivos antimanicomiais antirracistas – antimanicoloniais – têm produzido no dia a dia dos seus trabalhos e as possíveis modalidades de subjetivação que esses encontros têm suscitado no ir e vir das relações raciais
SUMARIO
Apresentação [Maria Cristina G. Vincentin e Lia Vainer Schucman]
Prefácio: Desnorteando a Reforma Psiquiátrica e Aquilombando a Luta Antimanicomial [Sonia Barros e Raquel Gouveia Passos]
Introdução
1. Desnorteamento
O Desnorteamento do Saber e do Poder: Algumas Provocações Descoloniais; Os Aportes de Frantz Fanon e Achille Mbembe Para uma Ideia-Força Desnorteada; “Medicina e Colonialismo” de Fanon; “Afropolitanismo” de Mbembe, Pistas Para uma Saúde Mental Desnorteada; (Des)orientação Atlântica: A Desrazão Diaspórica Negra
2. Aquilombação
Quilombismo, Quilombagem, Kilombo e Devir Quilomba: Proposições Desnorteadas Para uma Ética da Liberdade; O Quilombismo de Abdias Nascimento; A Quilombagem de Clóvis Moura; Quilombos (ou Kilombo, do Quimbundo) de Beatriz Nascimento; Devir Quilomba de Mariléa de Almeida
3. Antimanicolonialidade
Itinerários da Saúde Mental da População Negra: Em Busca de uma Reforma Psiquiátrica Antimanicolonial; O Histórico Percurso de Luta Pelo Direito à Saúde da População Negra; A Radicalidade da Reforma Psiquiátrica Exige a “Aquilombação” da Luta Antimanicomial
4. A Aquilombação da Rede de Atenção Psicossocial: Três Experiências Desnorteadas e Antimanicoloniais
Kilombrasa: Experiência de Aquilombação; Aquilombamento das Margens: Experiência Desnorteada; Café Preto: Experiência Antimanicolonial; Desnorteados Registros das Experiências de Aquilombação na Luta Antimanicolonial;
Para Terminar
Posfácio [Suely Rolnik]
Notas
Referências
Agradecimentos
Anexo
FICHA TÉCNICA
Emiliano de Camargo David
Apresentação: Maria Cristina G. Vincentin e Lia Vainer Schucman
Prefácio: Rachel Gouveia e Sônia Barros
Posfácio: Suely Rolnik
Palavras Negras
Psicologia/Psicanálise; Racismo
Formato Impresso Brochura
14 x 19 cm
280 páginas
ISBN 978-65-5505-195-7
EBOOK
ISBN 978-65-5505-196-4
Lançamento 19 jul
1 x de R$79,90 sem juros | Total R$79,90 | |
2 x de R$42,05 | Total R$84,10 | |
3 x de R$28,51 | Total R$85,54 | |
4 x de R$21,75 | Total R$86,99 | |
5 x de R$17,69 | Total R$88,46 | |
6 x de R$14,99 | Total R$89,94 |