VERDADE E SOFRIMENTO
Psicanálise, Ciência e a Produção de Sintomas
Paulo Beer
Prefácio: Nelson da Silva Jr.
SINOPSE
A partir de conceitos das obras do filósofo da ciência Ian Hacking e do psicanalista Jacques Lacan, o livro busca situar a verdade como um conceito-limite, que ao ser pensado questiona noções estabelecidas da produção do conhecimento, assim como instala a psicanálise como um estilo de raciocínio, com objetos e parâmetros próprios em constante diálogo com outros modos de pensar.
Esta obra, Verdade e Sofrimento, ressitua e requalifica o debate sobre o que é ciência, sua compreensão e extensão, sua natureza, pertinência e formas e processos de validação.
QUARTA-CAPA
Compreender de que modo a teoria e a clínica da psicanálise, pouco conciliáveis com os métodos quantitativos das ciências empíricas, poderiam ser articuladas com a demonstração de seus efeitos por essas mesmas ciências, exige aprofundar a questão, incluindo dois outros objetos que são fundamentais à sua compreensão e pertencem a ambas: a verdade e o sofrimento psíquico (que não pode ser reduzido a processos neuroquímicos do cérebro, como assume a visão psiquiátrica).
Partindo da conceituação de “verdade” a partir das obras do filósofo da ciência Ian Hacking e do psicanalista Jacques Lacan, Paulo Beer reinstala a verdade como um conceito-limite, tensionador da produção do conhecimento, e a psicanálise como um estilo de raciocínio, com objetos e parâmetros próprios em constante diálogo com outros modos de pensar, fazendo com que ela adentre na discussão da filosofia
da ciência pela porta da frente.
Mais do que oportuna, a chegada de Verdade e Sofrimento areja o debate e amplia nossa perspectiva acerca da verdade, da mentira, de negacionismos e de positivismos superados.
ORELHA
A definição do verdadeiro contém em si os modos aceitos pelos quais podemos considerar algo enquanto verdadeiro: consideramos que uma teoria é verdadeira porque podemos observá-la, ou então porque conseguimos produzir os resultados esperados a partir dela. Trata-se, aí, dos parâmetros de justificação de por que algo é verdadeiro ou falso. Junto a isso, a verdade também produz definições e normas (sabe-se que tal ideia é verdadeira), assim como abarca a possibilidade de crítica (embora acreditássemos que tal ideia era verdadeira, descobrimos que outra é mais adequada e, portanto, a ideia anterior passa a ser falsa). Conjuga-se, assim, a possibilidade de afirmação e negação de certezas à definição dos modos como uma ideia pode ser afirmada ou negada.
Porém, isso não encerra a questão. Afinal, o modo como podemos afirmar que x é verdadeiro ou falso é solidário à maneira como definimos x. Isso não significa que primeiro definimos os modos de justificação do verdadeiro e depois os objetos, mas sim que são processos interdependentes. Nesse sentido, a questão da verdade abarca a relação entre o conhecimento e seus objetos, carregando um potencial de justificação e de normatividade (e disrupção). […] [H]á ainda um recorte a ser considerado: […] a verdade na produção de conhecimento sobre sofrimento.
[…] O sofrimento psíquico […] com frequência é alvo de intervenções por práticas clínicas como a psiquiatria ou a psicologia. Esse tipo de produção de conhecimento é em especial importante porque, a partir de suas práticas clínicas, apresenta um potencial significativo de controle e direcionamento de maneiras de viver. Se o conhecimento é produzido com base em modos de compreensão da verdade – tanto nos modos de justificação quanto na definição dos próprios objetos –, um conhecimento que apresenta um potencial normatizador tão intenso merece ter seus pressupostos colocados em questão.
PAULO BEER
Psicólogo (PUC-SP) e psicanalista, mestre e doutor pelo Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (PST-IPUSP), com estágio de pesquisa na Université de Rennes 2 - Haute Bretagne e no Birkbeck College da Universidade de Londres. Orientador e professor convidado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social (PST-IPUSP), e professor do Instituto Gerar de Psicanálise. Membro da International Society of Psychoanalysis and Philosophy (SIPP-ISPP), do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise (LATESFIP-USP) e da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (AUPPF). Coordenador do Núcleo de Estudos e Trabalhos Terapêuticos (NETT). É ainda editor de Lacuna – Uma Revista de Psicanálise, da revista Traço e editor associado da Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental.
COLEÇÃO ESTUDOS
A coleção Estudos propõe-se a publicar ensaios críticos e pesquisas tratados em profundidade, com sólida argumentação teórica nos mais variados campos do conhecimento. A coleção forma, junto com a Debates, a marca de identificação da editora em nosso mercado.
DA CAPA
Imagem da capa: Paul Klee, Intenções (detalhe), 1938. Zentrum Paul Klee.
TRECHOS
DO PREFÁCIO [Nelson da Silva Jr.]
[...] diferenças de concepção sobre a incompletude da linguagem e seus respectivos efeitos ontológicos sobre os sujeitos definirão também diferenças de postura em relação ao sofrimento psíquico. Segundo Hacking, as formas de sofrer dos sujeitos são variáveis, dependentes da cultura e dos saberes científicos. Mudam-se os saberes das ciências, muda-se a natureza dos sujeitos assim como suas dores da alma. Mas Hacking conserva ainda um espaço para sofrimentos da alma oriundos de problemas biológicos. Tal diferença implica, segundo o autor, em dois tipos de patologias: os tipos indiferentes – que teriam uma plasticidade parcial aos saberes, fundamentalmente em sua expressão –, e os tipos interativos, que seriam marcados por uma plasticidade absoluta, onde as patologias seriam apenas variantes de formas particulares e historicamente marcadas do saber científico. A título de exemplo, o caso paradigmático do tipo indiferente seria a esquizofrenia, e o do tipo interativo, a histeria. Mas cabe ressaltar que os tipos indiferentes não sinalizam, segundo Hacking, uma possível forma de verdade sobre uma natureza biológica imutável da alma.
Conforme salienta Paulo Beer, a partir da impossibilidade de espelhamento entre a linguagem e o real, a verdade científica em Hacking é pensada como um efeito, fundamentalmente como efeito indireto da eficácia das experimentações científicas. Para Hacking, a verdade de uma teoria pode se sustentar nos efeitos de suas intervenções sobre o real, a saber, aquilo que o filósofo denominou realismo de entidades, dando uma ênfase à experimentação. Seu caráter é, portanto, transitório, incompleto, e fundamentalmente dependente das variações do que ele chamou de veracidade, isto é, das condições sociais de enunciação da verdade.
DO LIVRO
Como apontamos anteriormente, pretendemos abordar a verdade na condição de um conceito-limite que reúne diversas questões: problemas epistemológicos, ontológicos, éticos e políticos. Nesse escopo, pode-se perguntar qual seria o modo mais adequado de abordar a verdade no tratamento do sofrimento, nas palavras de Rose. Acreditamos que Hacking e Lacan oferecem elementos para uma resposta. O trânsito entre eles disponibiliza parâmetros de grande valor não somente para se pensar a verdade enquanto uma questão que reúne epistemologia, ontologia, ética e política, mas também para pensar as especificidades do(s) campo(s) de conhecimento que se ocupa(m) do sofrimento psíquico.
Nesse ponto, retornamos à questão da verdade enquanto constância. A estabilidade é uma qualidade central no pensamento científico, já que demonstra que teorias são sólidas e pertinentes tanto em relação aos problemas práticos a elas concernentes, quanto ao pensamento de outros cientistas que poderiam prová-las erradas. Kuhn dedicou-se, não por acaso, à questão das crises, e da caracterização da ciência normal como algo que se desenvolve numa estabilidade quase plena, enquanto a ciência revolucionária seria aquela que responde à instabilidade de suas construções. A instabilidade, na maioria das vezes, é causada por problemas que as teorias ou os paradigmas existentes não são capazes de resolver. Um estilo de raciocínio deveria ser, por definição, mais estável que um paradigma ou que teorias específicas. Ademais, a estabilidade de um estilo de raciocínio adviria tanto de sua empregabilidade (seja prática ou teórica) quanto do fato de que, para que seja refutado, seus parâmetros de verdade e falsidade devem ser criticados.
Temos, portanto, o seguinte esquema: o “império” do real é compreensível, mas não por ser possível saber a verdade de suas substâncias; o que é possível de ser compreendido são leis decorrentes daquilo que permanece inalterado na relação entre grandezas, algo somente acessível a partir da consideração de uma realidade. Real e realidade não são a mesma coisa; entretanto, as leis da realidade são adequadas ao real. Para tanto, é necessário um passo a mais, uma vez que a relação entre as leis da realidade e o real só faz sentido se essas leis forem estáveis, ou, ainda mais: absolutas.
Ao enfatizar a articulação entre verdade e manifestações inconscientes (sonhos, atos falhos, sintomas etc.) num posicionamento eminentemente clínico, Lacan não deixa de produzir um tensionamento com a própria teoria estabelecida. Afinal, trata-se de tomar aquilo que é o ponto central de uma análise – a verdade –, não enquanto signo de adequação de uma ideia ou representação, mas justamente enquanto o que escapa a isso que é nomeado como saber. A verdade se mostra, portanto, como inadequação: não é reconhecida como indicativo ou afirmação de uma positividade, mas como efeito de um limite daquilo que pode ser capturado e estabilizado em um saber. Aquilo que tensiona e nega o que foi estabelecido, aquilo que indica uma incompletude que tensiona a própria ideia de adequação. Assim, apresenta um potencial negativo, sempre capaz de reintroduzir uma dimensão de alteridade no que é dado como certo.
O percurso sintético que realizamos anteriormente teve como um de seus objetivos localizar a maneira como Lacan busca em Freud a sustentação de um modo de pensamento que tem, como elementos organizadores, noções críticas e negativas (entre elas: equívoco, impossível etc.). Entre esses elementos, a noção de verdade parece se destacar como um operador que transita com diferentes funções: ela é mobilizada em discussões epistemológicas assim como em discussões clínicas e ontológicas, indicando pontos de reciprocidade dessas instâncias. Em relação aos sintomas, já indicamos que apresentam uma relação direta como a verdade. Essa relação consistia, inclusive, em um ponto de crítica do psicanalista francês em relação à comunidade analítica, especialmente em relação ao modo como a técnica psicanalítica era empregada.
Conclui-se, assim, que o modo de compreender a decidibilidade do valor do conhecimento demanda, necessariamente, a consideração da política. Algo que Stengers imputa ao próprio funcionamento da ciência, pois seria solidário à abertura crítica necessária à produção de conhecimento: “se já não se trata de eliminar o poder da ficção, trata-se, porém, de o pôr à prova, de sujeitar as razões que inventamos a um terceiro capaz de as pôr em risco”83. A ciência apresentaria esse potencial de um conhecimento criticável, acima de tudo. Essa crítica deve carregar a marca de sua inscrição política, uma vez que tanto sua constituição como seus efeitos são inseparáveis de disputas de poder.
A questão que permanece, entretanto, diz respeito a como realizar tal abertura crítica constante. Reconhecer a dimensão política da produção de conhecimento não significa, necessariamente, sanar o problema. Talvez porque, como é possível observar com clareza na clínica psicanalítica, algo que emerge como verdade num momento poderá se cristalizar enquanto saber no momento seguinte. O conhecimento continua, assim, numa certa indecidibilidade entre crítica e reprodução.
SUMARIO
Prefácio – por Nelson da Silva Jr.
Introdução: A Verdade e Suas Questões
1. A Ciência Entre Verdade e Veracidade
A Questão da Verdade da Filosofia da Ciência
Estilos de Raciocínio
Construção Social e o Relativismo Radical
2. Ontologia Histórica e Patologias Transientes
Verdade, Evidência e Objetos Biológicos
Inventando Pessoas
As Patologias Transientes
Múltipla Personalidade
3. Uma Forma Própria de Verdade
A Verdade e Nada Mais
A Verdade, a Psicanálise, as Ciências
4. Um Sujeito Histórico
Ciência e Sujeito
O Nominalismo Dinâmico em Outro Estilo de
Raciocínio
5. Problemas e Caminhos. 165
Patologias não Transientes e Estabilidade
O Problema do Excesso de Interatividade
Um Caminho: A Verdade Como Causa
Mais um Caminho: Verdade e Política
Menos Certezas, Mais Ciência
Notas
Referências
Agradecimentos
FICHA TÉCNICA
Paulo Beer
Prefácio: Nelson da Silva Jr.
Coleção [E385]
Filosofia da Ciência/Psicanálise
Formato: brochura/dura
13,5 x 22,5 cm
288 páginas
ISBN 978-65-5505-175-9
Lançamento 15 nov
EBOOK
ISBN 978-65-5505-176-6
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