ORFEU E O PODER

O Movimento Negro no Rio de Janeiro e São Paulo (1945-1988)

Autor: Michael G. Hanchard

 

SINOPSE

Ao analisar dados sobre as disparidades entre brasileiros brancos e não brancos nas áreas de saúde, educação e assistência social, no final do século XX, fica claro que vastas desigualdades raciais existem no Brasil, contrariando afirmações oficiais, tradicionais no século XX em estudos sobre relações raciais, de que o país seria uma "democracia racial".

Em Orfeu e o Poder, Michael G. Hanchard explora as implicações dessa desigualdade racial evidente, destacando as tentativas de ativistas e movimentos afro-brasileiros de mobilizar amplos setores da sociedade por direitos civis em contraposição aos esforços nada desprezíveis das elites brancas para neutralizar tais tentativas. Dentro de uma estrutura neogramsciana, Hanchard mostra como a hegemonia racial no Brasil tem dificultado a identificação étnica e racial entre não brancos, promovendo tanto a discriminação como as falsas premissas de igualdade.

Com base em arquivos pessoais e entrevistas com participantes do movimento negro do Rio de Janeiro e de São Paulo, o autor apresenta uma riqueza de evidências empíricas sobre a militância afro-brasileira, comparando sua eficácia com a de seus colegas da África Subsaariana, dos Estados Unidos e do Caribe no período pós-Segunda Guerra Mundial. Ele analisa em detalhes as extremas dificuldades dos ativistas afro-brasileiros de enfrentar, identificar e corrigir padrões racialmente específicos de violação e discriminação. Hanchard argumenta que a luta afro-americana para subverter formas e práticas culturais dominantes corre o risco de ser subsumida pelas contradições que essas formas dominantes produzem.

Publicado originalmente em 1996 nos EUA e em 2001 no Brasil, o livro causou controvérsias, às quais o autor responde em um novo prefácio feito especialmente para esta nova edição, e que Paulo César Ramos, pesquisador do Cebrap, contextualiza e comenta em seu Posfácio.

 

QUARTA-CAPA

Orfeu e o Poder examina a trajetória e a dinâmica do movimento negro no Brasil durante um período crucial da históira. Concentra-se nas lutas, estratégias e desafios enfrentados pelos ativistas nas duas maiores cidades brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro, entre o final da Segunda Guerra Mundial e a Constituição de 1988, lidando com a dualidade entre a cultura e a política, daí seu título, uma vez que o movimento negro brasileiro navegava entre a valorização da cultura negra e a busca por poder político e igualdade social.

Michael G. Hanchard analisa como se deu a luta contra o racismo estrutural e a desigualdade racial em um contexto onde o mito da “democracia racial” predominava. Com uma abordagem interdisciplinar, que combina história, sociologia e ciência política com o uso de entrevistas e documentação, explora as tensões entre a ideologia oficial e a realidade da discriminação e marginalização enfrentada pela população negra e discute as influências internacionais, como o movimento pelos direitos civis nos EUA e as lutas anticoloniais na África, que inspiraram e moldaram as táticas e ideologias do movimento negro brasileiro. Ele critica a falta de reconhecimento e apoio por parte de setores da esquerda brasileira, que frequentemente relegavam as questões raciais a um segundo plano em favor de uma luta de classes mais ampla.

A reedição traz novo prefácio do autor e um posfácio, por Paulo César Ramos, abordando a recepção da obra entre nós e as controvérsias que sua publicação suscitou no movimento negro atual.

 

MICHAEL G. HANCHARD

Professor do Departamento de Estudos Africanos da Universidade da Pensilvânia, dirige ali o projeto Marginalized Populations. Doutor pela Universidade de Princeton (1991), ocupou cargos de pesquisador visitante no W.E.B. DuBois Research Institute da Universidade Harvard; na Universidade Candido Mendes (RJ); na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar); na Universidade de Cartagena; no Instituto Gramsci (Milão); na Universidade de Gana; na Universidade de Viena; e no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Entre suas publicações, destacam-se Racial Politics in Contemporary Brazil (org., Duke, 1999); Party/ Politics: Horizons in Black Political Thought (Oxford, 2006); e, mais recentemente, The Spectre of Race: How Discrimination Haunts Western Democracy (Princeton, 2018), prêmio Ralphe J. Bunche da American Political Science Association em 2019 de melhor livro sobre pluralismo étnico e cultural e um dos Dez Melhores Livros em 2018 pelo Times Educational Supplement, de Londres. É, desde 2021, membro da Academia Americana de Artes e Ciências

 

PALAVRAS NEGRAS

A coleção Palavras Negras reúne textos de intelectuais negros e negras, produzidos em diferentes contextos, como o acadêmico e o dos movimentos sociais. O objetivo é lançar e reeditar obras que contribuam para a análise das relações raciais no Brasil, abordando também questões de gênero e classe. Palavras Negras que inspirem reflexões e ações antirracistas.

 

O QUE DIZ O AUTOR

O Brasil passou por transformações significativas durante os últimos trinta anos, de uma forma que nem eu nem a maioria dos observadores e participantes do movimento negro e da sociedade brasileira poderíamos prever. A democracia, em forma tão inclusiva – já que o voto direto foi de fato legalmente universalizado com a inclusão de analfabetos –, era nova no Brasil. O desenvolvimento de uma sociedade civil organizada foi motivado pelo afastamento ainda incompleto dos militares da política e pelo crescimento das instituições democráticas e dos movimentos sociais. A abertura da sociedade civil no Brasil teve consequências imprevistas para o movimento negro. Seus objetivos foram ampliados, assim como as oportunidades e a crescente variação entre as tendências políticas, não apenas dentro do próprio movimento, mas na sociedade brasileira como um todo. MST, LGBTQIA+, feminismo, ecopolítica, o ativismo das mulheres negras e o movimento reconhecimento dos direitos quilombolas passaram a fazer parte da corrente principal do discurso político brasileiro.

 

POR QUE LER

1-      Apesar do recorte temporal (1945-1988), o livro aborda processos sociais que marcam a sociedade brasileira ainda hoje e a resistência a eles por parte da população negra, ajudando a explicar tanto o contexto social atual como o ativismo negro nos dias de hoje.

2-      Mais do que um scholar, Hanchard tem longa vivência e convivência com o Brasil, e não só com a acadêmia, mas também com o movimento negro.

3-      A nova edição traz tanto um novo prefácio do autor como um posfácio, que analisam a situação atual e respondem ao criticismo e as polêmicas que sua publicação entre nós provocou em 2001.

 

CURIOSIDADES

1-      Uma das críticas feitas ao autor e à obra, na verdade, a principal, é que a visão do movimento negro brasileiro seria demasiadamente estadunidense, com ranços de “razão imperial”. Hanchard responde a isso em seu prefácio, afirmando que “[s]er cidadão de um país nunca significou concordar com as práticas políticas do grupo que nele está no poder. Uma coisa é o Estado, outra as pessoas que vivem sob esse Estado, que têm posicionamentos, para o bem ou para o mal, sempre muito distintos do oficial. Não existe uma comunhão monolítica de ideias entre uma população e seus dirigentes. Mesmo em países sob regimes autoritários, fascistas e totalitários, basta ver a história (Vichy, por exemplo): sempre houve uma parte da sociedade marginalizada em termos políticos que se contrapunha às tendências dominantes.”

2-      Hanchard ressalta a posição de Joel Rufino dos Santos, no artigo “O Movimento Negro e a Crise Brasileira”, de que o movimento negro precisa conhecer melhor as crises nacionais e internacionais que afetam não apenas a sociedade brasileira, mas também as sociedades com populações negras que os afro-brasileiros usam como referenciais culturais e políticos.

3-      Um exemplo da ascensão ao protagonismo do movimento negro: https://almapreta.com.br/sessao/cotidiano/movimento-negro-convoca-ato-contra-violencia-policial-em-sao-paulo/.

 

 

TRECHOS DO LIVRO

[Do Prefácio à Edição Brasileira de 2001]
Uma geração anterior de sociólogos brasileiros descobriu provas demográficas de desigualdade racial, ao analisar dados censitários e fazer o controle de indicadores de qualidade de vida como educação, emprego e variação regional. Parafraseando Nelson do Valle Silva, custa caro não ser branco no Brasil. Este livro é uma tentativa de compreender a luta do movimento negro para reduzir esse ônus de ser preto ou pardo no Brasil

 

[Introdução]

O que distingue o Brasil de qualquer outra sociedade pluralista do Novo Mundo é que nenhuma outra nação encontrou uma “solução” tão sofisticada para o “problema” do pluralismo racial e cultural. A democracia racial e sua concomitante ideologia racista do embranquecimento foram “resultado da luta da elite para conciliar as relações sociais reais do Brasil – a falta de uma clara linha demarcatória entre brancos e não brancos – com as doutrinas do racismo científico que penetraram no país, provenientes do exterior”8, e tiveram grande influência no curso da história brasileira, das relações raciais e da identidade nacional. Cuba e Peru têm ideologias de embranquecimento que remontam ao século XIX, mas que nem de longe são tão desenvolvidas e sofisticadas.

 

[A Raça e a Política Racial]

[...] os processos de embranquecimento e de “passar-se por branco” estão inextricavelmente ligados ao fato de que há um estigma vinculado à negritude, juntamente com as diferenças entre as categorizações multirraciais e birraciais desses dois padrões. A categoria “branco” pode conter efetivamente um conjunto mais variado de fenótipos reais e de imagens normativas somáticas nas culturas de influência ibérica (ao lado dos atributos normativos positivos que são normalmente ligados à brancura) – o que não acontece à categoria “negro”.

 

[2. A Política Racial Brasileira]

Esses problemas da desigualdade racial, da identidade afro-brasileira e da mobilização social enraízam-se tanto na política quanto na economia. Conquanto Nelson do Valle Silva e Carlos Hasenbalg forneçam fartos dados sobre a base socioeconômica da desigualdade racial, são relativamente poucas as discussões a respeito de como é politicamente construída ou contestada a desigualdade racial.

Isso é exemplificado pela breve menção que faz Hasenbalg à “tranquila manutenção das desigualdades raciais”18 pelas elites brancas que dominam o Estado e a sociedade civil, e pela inexistência de uma oposição política sistemática por parte dos afro-brasileiros. A ideia de manutenção tranquila de Hasenbalg obscurece aquilo que, na verdade, foi minimizado e encoberto – as tentativas dos ativistas brasileiros de politizar as discussões sobre a desigualdade racial no Brasil. Por mais limitadas que sejam, as tentativas dos afro-brasileiros de perturbar a “manutenção tranquila” da desigualdade racial têm que ser explicadas, caso os observadores da política racial brasileira pretendam ter alguma indicação do grau em que as elites brancas, no aparelho de Estado e na sociedade civil, reprimem a dissidência afro-brasileira.

 

[3. A Democracia Racial]

A maioria dos casos de violência racial envolveu a polícia civil ou militar, o que, pela lei brasileira da época, exigia audiências com juízes militares em tribunais militares. É bem possível que se tratasse da “sombra da caserna”55, nas palavras de Rouquie: o fantasma dos militares na sociedade civil e em seus tribunais. As torturas e interrogatórios da ditadura, como hoje sabemos, foram empregados de maneira indiscriminada, sem maior consideração pela cor da pele

Ao mesmo tempo, entretanto, isso é paradigmático da política racial brasileira. Seu traço mais singularmente “brasileiro” é, talvez, a relativa falta de referenciais cognitivos e práticos para o reconhecimento das situações de desigualdade racial – e para a reação a elas. No caso dos pais e filhos negros paulistas, o estudo de Henrique Cunha Jr. (1987) sugeriu que, para muitos negros, não existem precedentes de utilização pública dos conhecimentos adquiridos pela experiência de atos discriminatórios do passado para abordar situações de racismo institucionalizado no presente. A seguir, examinaremos como o movimento negro e os ativistas individuais, no que concerne a prestarem queixa, são prejudicados pelos valores inculcados da democracia racial e pelas medidas coercitivas das elites brancas.

 

[5. Movimentos e Momentos]

O Black Soul foi um dos vários fenômenos da diáspora africana em que pessoas de origem africana de um determinado contexto nacional-cultural se apropriaram de algumas das formas simbólicas e materiais de outro. O antropólogo Peter Fry afirmou: “A proliferação de bailes afro-soul em São Paulo e no Rio é um exemplo de situações em que os brasileiros negros criam novos símbolos de etnia, de acordo com sua experiência social. Embora algumas pessoas acreditem que esses fenômenos são exemplos de ‘dependência cultural’, ou da capacidade das multinacionais de vender os produtos que bem entenderem, não tenho dúvida de que, apesar de tudo, eles representam um movimento de grande importância no processo da identidade no Brasil”.

 

[Posfácio]

O livro impõe-se pela sua força teórica e empírica, de inspiração gramsciana. Hanchard leva a questão racial para o cerne do debate sobre hegemonia, desenhando um modelo de compreensão das relações de poder que tem no centro o fenômeno do racismo, no passado e no presente, na estrutura da sociedade e na agência dos sujeitos negros. Aí, o elemento empírico. A pesquisa de Hanchard foi ampla e profunda. Ele trabalhou com dezenas de entrevistas realizadas em profundidade, mas também se valeu de sua interlocução e de tratativas formais e informais com os militantes negros no Rio de Janeiro e em São Paulo, durante os anos em que viveu aqui.

 

SUMARIO

Prefácio a Esta Edição (2024)

Prefácio da Edição Brasileira de 2001

Introdução

I. HEGEMONIA RACIAL

1 A Política Racial: Termos, Teoria, Metodologia

2 A Política Racial Brasileira: Visão Geral e Reconceituação

3 Democracia Racial: Hegemonia à Moda Brasileira

II. NEGAÇÃO E CONTESTAÇÃO

4 Formações da Consciência Racial

5 Movimentos e Momentos

6 Política Racial e Comemorações Nacionais: A Luta Pela Hegemonia

Não É de Onde Você Vem

POSFÁCIO – Ressonância Crítica de uma Obra Desafiadora [Paulo Cesar Ramos]

Notas

Referências

Índice Remissivo

Agradecimentos

 

FICHA TÉCNICA

Autor: Michael G. Hanchard

POSFÁCIO - Ressonância Crítica de Uma Obra Desafiadora, Paulo Cesar Ramos
Tradução: Vera Ribeiro

Coleção Palavras Negras [PN12]
Assunto: racismo

Impresso brochura

14 x 19 cm

352 páginas

ISBN 978-65-5505-247-3

R$ 89,90

 

EBOOK

ISBN 978-65-5505-248-0

Lançamento 06/06/2025

R$89,90

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