PODER, VOZ E SUBJETIVIDADE NA LITERATURA INFANTIL
Autora: Maria Nikolajeva
Apresentação: Elisabeth Cardoso
Tradução: Camila Werner
SINOPSE
Provocativo e perspicaz, Poder, Voz e Subjetividade na Literatura Infantil, de Maria Nikolajeva, discute as possibilidades de uma literatura infantil e juvenil de qualidade que seja capaz de atribuir um poder contestatório à infância. Pois a vasta maioria das obras lidas por crianças e jovens é escrita, ilustrada, selecionada, comprada, ensinada e mediada por adultos, sem que haja uma reflexão sobre o quanto essa literatura constitui-se como espaço de opressão, de imposição de perspectivas sociais, emocionais e políticas dos adultos – seus valores, desejos, medos, preconceitos, limitações, linguagens e estéticas.
Nikolajeva explora alguns exemplos disso tanto em obras clássicas (como Alice no País das Maravilhas) como modernas (como Harry Potter e Pooh) e argumenta em torno da ideia de que a criança e o jovem formam um grupo sociologicamente minoritário (tal como as mulheres, os afrodescendentes, a comunidade LGBTQIA+, a população periférica, os indígenas) que sofre com o silenciamento de sua “voz e subjetividade”.
Ela conclui que, uma vez que sendo adultos não podemos abolir normatividade adulta – o que seria subverter nossa própria experiência –, podemos, por meio de personagens e situações que transitam entre o grotesco, o mágico, o surreal e o inesperado na literatura infantil, conscientizar os jovens leitores de que as normas e regras adultas não são absolutas. Para isso, diz ela, precisamos criar formas de esclarecer, denunciar questões normalizadas pelo predomínio de valores do mundo adulto. Poder, Voz e Subjetividade fornece ferramentas pelas quais podemos seguir nessa tarefa de maneira mais coerente e consistente do que antes.
QUARTA-CAPA
Poder, Voz e Subjetividade na Literatura Infantil, de Maria Nikolajeva, discute as possibilidades de uma literatura de qualidade que seja capaz de conscientizar os jovens leitores de que as normas e regras dos adultos não são absolutas, mas fruto do poder adulto de impor seus valores, desejos, medos e preconceitos. Explorando exemplos e contraexemplos disso, tanto em obras clássicas (como Alice no País das Maravilhas) quanto modernas (como as séries de Harry Potter e Pooh), e partindo da ideia de que a criança e o jovem formam um grupo sociologicamente minoritário (tal como as mulheres, os afrodescendentes, a comunidade LGBTQIA+), silenciado em sua “voz e subjetividade”, a autora argumenta que não podemos esperar que as crianças tornem-se leitores críticos, sem que as confrontemos com personagens literárias que não as domestiquem.
ORELHA
Ler é sobretudo um ato de empoderamento e libertação: abre trilhas de compreensão, fundamenta o pensamento crítico e ativa a musculatura do intelecto. Esse imenso potencial revolucionário, contudo, traz também o perigo oculto de narrativas que carregam noções eticamente duvidosas e que podem ter efeitos perversos na formação do leitor.
Neste poderoso tratado, a pesquisadora e crítica Maria Nikolajeva analisa um dos aspectos mais controversos da literatura para crianças e jovens: a sua utilização como instrumento de poder e opressão. As crianças de hoje, no Ocidente, como grupo social, são subordinadas e impotentes, mas, na ficção escrita por adultos para elas, se tornam fortes, corajosas, poderosas e independentes – em determinadas condições e por um tempo limitado.
No entanto, embora a melhor literatura infantil e juvenil ofereça aos leitores a possibilidade de desafiar a autoridade dos adultos, os meios artísticos – como a voz narrativa – também podem ser utilizados para manipular aquele que lê. Analisando obras fundamentais desde o século XVIII até a atualidade, como Píppi Meialonga, a saga de Harry Potter, Onde Vivem os Monstros, História Meio ao Contrário e A Bolsa Amarela, Nikolajeva se baseia na oposição “adultismo” e “criancismo” e no conceito de “outrização”, ou seja, que aquele que não é a norma é encarado como “o outro”, para desvendar como se dão essas relações de poder, sua disputa e representação dentro das obras.
Partindo dos estudos culturais, a crítica passa pelos conceitos de heterologia, aetonormatividade e carnavalização, e assim vai dissecando a relação paradoxal, em cada uma das obras, entre o intuito de representar o outro criança e jovem como herói independente e a intenção de educar aquele que, supostamente, ainda deve ser formado. Com um olhar lúcido e original, Nikolajeva traz em sua caudalosa reflexão contribuições de grande relevância e impacto para o debate contemporâneo, além de construir um legítimo manifesto pela formação de leitores autônomos. [Mell Brites e Renata Nakano, editoras e pesquisadoras]
MARIA NIKOLAJEVA
Nascida em Moscou e naturalizada sueca, ensinou literatura infantil e teoria literária na Universidade de Estocolmo, na Suécia, por 25 anos. Ela também foi professora convidada nas universidades de Massachusetts e Estadual de San Diego, nos EUA, e na Universidade Åbo Akademi, na Finlândia. É professora emérita da Universidade de Worcester.Foi uma das editoras sênior da Enciclopédia Oxford de Literatura Infantil. Está na Universidade Cambridge desde 2008 e tornou-se, em 2010, diretora do Centro de Pesquisa e Ensino de Literatura Infantil Cambridge-Homerton. Em 2002-2008, fez parte do júri do Astrid Lindgren Memorial, o segundo maior prêmio internacional de literatura depois do Nobel. Recebeu em 2005 o Prêmio Internacional Irmãos Grimm pelo conjunto de sua obra na pesquisa de literatura infantil. Em 2010, organizou, em colaboração com Mary Hilton, a conferência internacional “The Emergent Adult: Adolescent Literature and Culture”; em 2015 co-organizou, com Zoe Jaques, “Alice Through the Ages”. Em 2018, ela foi anfitriã da conferência internacional “Synergy and Contradiction: How Picturebooks and Picture Books Work”.
DA CAPA
Criação: colagem de Luisa Moritz Kon
COLAÇÃO IDA E VOLTA
A coleção Ida e Volta se propõe a abrigar obras paradigmáticas do cenário da crítica literária no campo da literatura infantil e juvenil. Reunindo autores nacionais e internacionais, cada livro é selecionado de acordo com a relevância temática e abordagem única de assuntos inéditos ou muito pertinentes para o cenário editorial brasileiro. Voltada para educadores, pesquisadores e amantes da literatura infantil, a coleção vem a somar em um cenário ainda escasso de publicações de peso com o objetivo de enriquecer o debate da área e abrir caminhos para novas pesquisas.
TRECHOS
“Outra característica essencial das séries é a personagem estática. Harry torna-se inegavelmente um ano mais velho a cada livro; ele não é nem Nancy Drew, que tem sempre dezesseis (ou dezoito) anos, nem William, congelado aos onze anos de idade. No entanto, o desenvolvimento da personagem pode ser de dois tipos: cronológico ou ético. Ainda que alguns críticos apontem a crescente abrangência de emoções de Harry, não temos acesso aos seus pensamentos ou sentimentos, se é que ele foi presenteado com a habilidade de sentir e pensar. Ele não é uma personagem sobrecarregada com uma vida interna complexa. Lemos que ele está com medo ou se sente sozinho, mas frequentemente essas afirmações são do narrador, não representações de estados mentais que demandem ferramentas narrativas mais sofisticadas.
Essa técnica narrativa mediada não nos permite penetrar na mente da personagem: na verdade, nos últimos volumes sabemos mais sobre a mente de Voldemort, por meio dos lampejos que Harry recebe graças à sua conexão sobrenatural com a personagem; ou sobre o estado mental de Snape por meio de suas memórias na Penseira. Harry não se desenvolve muito enquanto personagem, mas não podemos exigir credibilidade psicológica de uma personagem construída deliberadamente como um herói romântico.”
(...)
“A personagem feminina narradora de Lilla Marie é um “herói travestido” de maneira mais sutil: mentalidade, comportamento e sexualidade masculinos em um corpo feminino sem um disfarce superficial. Marie é muito forte e agressiva ao extremo, apresentando todas as características desviadas do estereótipo feminino. Seu domínio é ao ar livre. A violência é seu caminho para o poder, e ela constrói de maneira sistemática a si mesma em oposição às expectativas sociais das garotas. É socialmente aceito que os homens sejam violentos, enquanto as mulheres agressivas são vistas como um desvio da norma. A questão é se Marie, com sua atuação violenta, questiona as normas ou as confirma. Ela em definitivo não é a tomboy convencional que depois é domada e reconduzida para a ordem patriarcal.”
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“A esta altura, deveria estar claro que o gênero biológico do protagonista tem pouca relevância para a caracterização masculina ou feminina. A caracterização masculina confirma os estereótipos de gênero consagrados, enquanto a caracterização feminina os desafia. Por sua vez, isso quer dizer que se as personagens masculinas e femininas permanecem inalteradas ou desenvolvem-se em direção a estereótipos mais fortes, tal caracterização é masculina. Isso é importante, pois as personagens, principalmente as femininas, podem ser representadas como se a princípio desafiassem os estereótipos, mas ao longo da trama podem ser trazidas de volta para o padrão de gênero prescrito. Para analisar a posição do autor em relação aos estereótipos, poderíamos usar esquemas que já existem, que apresentam os homens como fortes, ativos, violentos, agressivos, competitivos e independentes, e as mulheres como fracas, passivas, emotivas, submissas e abnegadas.
Ao olhar para si enquanto jovem, Charlotte faz a seguinte descrição: “Aos treze anos, eu não passava de uma menina, não tinha começado a tomar forma, e menos ainda a ter o coração de uma mulher.”19 A visão não apenas é desconectada, como também extremamente objetificadora. A perspectiva é masculina no sentido de que o focalizador observa a mulher em vez de pensar sobre ela, o que se torna ainda mais óbvio na comparação com outra representação parecida, mas muito mais irônica consigo mesma: “Aos treze anos, eu era alta, de ossos largos, e tinha delírios sobre a beleza e o amor”.
(...)
“A principal característica de Lygia Bojunga é sua capacidade de penetrar profundamente na psique da criança, conseguindo usar uma linguagem simples e acessível para expressar estados mentais complexos, verdades inconfessáveis e emoções secretas. Cada livro é um estudo do destino humano elaborado com precisão e imensa empatia, um retrato sofisticado de uma criança que lida com a perda, a dor e o sofrimento.
Um livro de Ana Maria Machado em especial, Palavras, Palavrinhas e Palavrões (1998), explora o caráter convencional da linguagem e o poder que ela dá aos adultos sobre as crianças. O livro nos faz questionar “Como uma criança pequena pode compreender que palavras como ‘pinto’ e ‘asno’ são aceitáveis quando denotam animais, mas não em outros casos?” E como ela se sente quando confrontada com palavras compridas e incompreensíveis como AGRESSIVIDADE, REPRESSÃO ou MANIFESTANDO ANSIEDADE? Oprimida pelos adultos insensíveis, a menina decide parar de falar por completo, uma metáfora persuasiva para os dissidentes silenciados. Apesar de os jovens leitores provavelmente não entenderem isso, os adultos co-leitores irão compreender. No entanto, os jovens leitores com certeza irão entender os sentimentos de resignação e abandono da protagonista, especialmente porque ela acredita que todos os seus problemas com a linguagem vêm do fato de ela não ser um menino: meninos podem falar palavrão, mas as meninas não.”
(...)
“No ensino de literatura para o público jovem, é comum encorajá-los a se “identificar” com uma das personagens, em geral com o protagonista. Uma professora pode expressar esse estímulo perguntando: “Quem você gostaria de ser na história?” Os estudantes da literatura infantil acolhem calorosamente os textos que oferecem objetos de identificação. Esse intrigante fenômeno pode ser chamado de falácia da identificação, em analogia à famosa falácia intencional do New Criticism. Talvez mais do que qualquer outra orientação crítica, a falácia da identificação revela uma inconsistência espantosa entre a pesquisa sobre literatura infantil e juvenil e a educação literária. A convicção de que os jovens leitores devem adotar a posição de sujeito de uma personagem literária é, no entanto, infundada e impede o desenvolvimento de uma leitura madura.”
(...)
“A única maneira de contornar completamente a normatividade adulta é por meio dos modos não miméticos, assim como acontece com a desconstrução de gênero na fantasia e na ficção
científica adultas.”
(...)
“Como adultos – escritores ou promotores da literatura infantil – não podemos abolir a normatividade adulta de maneira incondicional, uma vez que estaríamos subvertendo a nossa própria existência. Mas podemos, por meio do carnaval da literatura infantil, chamar a atenção dos leitores para a constatação de que as normas e as regras adultas não são absolutas.”
SUMÁRIO
Apresentação – Elisabeth Cardoso
Introdução:
Por Que Píppi Dorme Com os Pés no Travesseiro?
1 Harry Potter e os Segredos da Literatura Infantil
O Carnaval Começa: As Premissas da Literatura Infantil; O Carnaval Continua: O Herói no Auge;
O Carnaval Termina: O Triunfo dos Adultos; A Reiteração do Carnaval: O Propósito das Continuações; Questionando o Carnaval: A Permanência da Aetonormatividade
2 A Outrização do Sentido: Linguagem e (Des)Comunicação
Poder e Opressão no Bosque dos Cem Acres
3 A Outrização do Gênero Literário:
Fantasia e Realismo
A Fantasia Como Carnaval; O Poder do Tempo; Ficar do Lado da Criança; O Carnaval Diário;
4 A Outrização da Criança: Os Contos de Fadas de George MacDonald
A Criança em Foco; O Narrador e a Personagem; Gênero;
5 A Outrização do Futuro:
Os Estereótipos da Distopia
Em Nenhum Lugar e em Toda Parte; Felicidade Total(itária)?; Estruturas de Poder; Poder,
Memória e Linguagem; Voz e Sujeito; De Onde Você Tem Saudades;
6 A Outrização do Cenário:
Orientalismo e Robinsonadas
Violência, Honra, Lealdade e Amor; Robinsonadas Masculinas; Robinsonadas Femininas;
7 A Outrização do Gênero:
Novas Masculinidades, Novas Feminilidades
A Nova Masculinidade; As Garotas Assumem o Comando; Encontrar uma Voz Genuína;
8. A Outrização da Voz:
Crossvocalização e Performance
A Voz Pública e a Privada; Confiabilidade e Autoridade; Identidade de Gênero e Gênero Literário; Androginia, “Crossdressing” e Metamorfose; Subjetividade e Performance;
9 A Outrização da Ideologia:
A Literatura a Serviço da Sociedade
Lições de Moral Simples; O Reverso da Normatividade; Condenando o Passado;
10 A Outrização das Espécies:
O (Ab)Uso dos Animais
Gatos Como Adereços; Gatos Como Gatos; Gatos Como Malandros; Gatos Como Guias; Gatos Como Adolescentes Confusos;
11 A Outrização Visual:
Estruturas de Poder nos Livros Ilustrados
Heroísmo, Desobediência e Conformismo; Sonhos (Des)Empoderadores; Poder e Ambiguidade; O Triunfo de uma Criança;
12 A Outrização do Leitor:
A Falácia da Identificação
O Terror e a Idealização; O Holandês Voador e os Judeus Errantes; O Eu Distanciado; O Eu Amalgamado; O Narrador Dissolvido;
Conclusão: A Autonegação dos Adultos
Bibliografia
Índice Remissivo
Agradecimentos
FICHA TÉCNICA
Autora: Maria Nikolajeva
Apresentação: Elisabeth Cardoso
Tradução: Camila Werner
Coleção Ida e Volta
Literatura
Impresso em brochura
13,5 x 22,5 cm
320 páginas
ISBN 978-65-5505-164-3
Lançamento 12 out
EBOOK
ISBN 978-65-5505-165-0
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