SITIADO EM LAGOS
Autodefesa de um Negro Acossado Pelo Racismo
Abdias Nascimento
Apresentação: Elisa Larkin Nascimento
Prefácio à nova edição: Molefi Kete Asante
Prefácio: dom José Maria Pires
Posfácio: Carlos Moore
SINOPSE
O Festac 77 foi um festival idealizado para celebrar e exibir ao mundo a força da cultura africana e afrodescendente. Ao longo de quatro semanas (de 15 de janeiro a 12 de fevereiro de 1977), expoentes negros da música, das artes plásticas, da dança e do teatro se apresentaram em Lagos, na Nigéria. O coração do festival era, no entanto, o colóquio que reuniria centenas de intelectuais de todas as partes do mundo e que, como não poderia ser diferente em plena era da independência das antigas colônias africanas, abordaria o legado da colonização e a situação dos afrodescendentes no mundo, com forte participação dos Estados Unidos e do Brasil, onde se encontravam (e ainda se encontram) as maiores comunidades negras fora da África.
Mas o Brasil vivia uma ditadura já de treze anos, com toda sorte de violações dos direitos humanos, censura e impedimentos de manifestações, milhares de cidadãos exilados e onde um indivíduo poderia ser preso apenas por não estar com seu documento de identidade (principalmente se fosse negro ou pardo) e que propagava as ideias do “milagre econômico”, da “ordem e progresso” e da “democracia racial”. O paraíso tropical na Terra.
Não é de surpreender, portanto, que a comitiva brasileira (a “gangue dos seis”, como a chamou Abdias) não contasse com nenhum pesquisador que contestasse o status quo. Quando Abdias Nascimento, ativista, homem de teatro (criador do Teatro Experimental do Negro) e professor da Universidade do Estado de Nova York, decidiu participar do colóquio, o governo brasileiro declarou-lhe guerra.
Sitiado em Lagos é o registro dessa guerra. Abdias Nascimento não apenas denuncia o cerceamento que lhe é imposto, como expõe a pressão diplomática e as calúnias de que o Itamarati faz uso junto às autoridades e à imprensa nigerianos visando impedir que ele participasse do colóquio e denunciasse o que acontecia no Brasil, em particular a violência contra sua população negra, vítima do insidioso racismo do país.
QUARTA-CAPA
O Festac 77 foi um festival idealizado para celebrar e exibir ao mundo a força da cultura africana e afrodescendente. O coração do festival era o colóquio que reuniria centenas de intelectuais de todas as partes do mundo e que abordaria o legado da colonização e a situação dos afrodescendentes no mundo. Só que o Brasil vivia uma ditadura de treze anos, que vendia a ideia do “milagre econômico”, do “da ordem e progresso” e da “democracia racial”. O paraíso tropical na Terra.
Assim, não surpreende que a comitiva brasileira não contasse com nenhum pesquisador que contestasse o status quo e que, ao decidir participar do evento, Abdias Nascimento, ativista, artista e então professor da Universidade do Estado de Nova York recebesse uma declaração de guerra do governo brasileiro. Sitiado em Lagos é o registro dessa guerra. Abdias não apenas denuncia o cerceamento que lhe é imposto, como expõe a pressão diplomática e as calúnias de que o Itamarati faz uso junto às autoridades e à imprensa nigerianos visando impedir que ele participasse do colóquio e denunciasse o que acontecia no Brasil, em particular da população negra, vítima do insidioso racismo que vigora no país.
Mais do que um documento de época, Sitiado em Lagos dá testemunho da luta de Abdias Nascimento contra o racismo institucionalizado e pela democracia e serve de alerta para aqueles que idealizam um tempo que não viveram, uma história que não passa de conto de fardas e uma paz social assentada em cemitérios clandestinos.
ABDIAS NASCIMENTO
Foi escritor, professor, artista plástico e político. Criou em 1944 o Teatro Experimental do Negro – TEN, entidade que rompeu a barreira racial no teatro brasileiro. Como ativista, publicou o jornal Quilombo, além de organizar eventos seminais como o I Congresso do Negro Brasileiro (1950). Após fundar, em 1968, o Museu de Arte Negra, lecionou nas universidades Yale, Wesleyan, Temple, na Universidade do Estado de Nova York (EUA, de onde foi professor emérito) e na Universidade de Ifé (Nigéria). Participou de importantes congressos e encontros do mundo africano, levando ao âmbito internacional a, então inédita, denúncia do racismo no Brasil. Após o exílio decorrente da ditadura militar, entrou para a política e se elegeu deputado federal (1983-1986) e senador (1991; 1997-1999) pelo PDT. Já nas artes plásticas, realizou exposições individuais no Palácio de Cultura Gustavo Capanema (1988), no Salão Negro do Congresso Nacional (1997) e na Galeria Debret (Paris, 1998).
É autor, entre outros, de Sortilégio (1959/1979, com reedição em 2022 pela Perspectiva), Dramas Para Negros e Prólogo Para Brancos (1961), O Negro Revoltado (1968/1982), O Genocídio do Negro Brasileiro (1978, com reedição em 2016 pela Perspectiva), Sitiado em Lagos (1981, com reedição em 2024 pela Perspectiva), Axés do Sangue e da Esperança (1983), Orixás: Os Deuses Vivos da África (1995), e O Brasil na Mira do Pan-Africanismo (2002). O Quilombismo: Documentos de Uma Militância Pan-Africanista (2002, Perspectiva, 2019).
NOME DA COLEÇÃO
A coleção Palavras Negras reúne textos de intelectuais negros e negras, produzidos em diferentes contextos, como o acadêmico e o dos movimentos sociais. O objetivo é lançar e reeditar obras que contribuam para a análise das relações raciais no Brasil, abordando também questões de gênero e classe. Palavras Negras que inspirem reflexões e ações antirracistas.
DA CAPA
Imagem da capa: máscara pingente de marfim representando a rainha-mãe Idia. Povo Edo, Benin. Século XVI.
Esta máscara foi a imagem-símbolo do Festac 77
TRECHOS
DO PREFÁCIO À NOVA EDIÇÃO DE 2024 - Molefi Kete Asanti.
O mais significativo intelectual afro-brasileiro no mundo de fala inglesa era Abdias Nascimento. Mas ele, conhecido por artistas e intelectuais em regiões de fala espanhola e anglófonos, assim como as lusófonas, estava alijado da delegação oficial que representaria o Brasil no festival mundial africano. Por si só, esse fato compunha uma situação dramática que se tornaria um marco histórico desse evento icônico. Diante do mundo, Abdias Nascimento desafiaria a delegação oficial brasileira, fazendo a plenária rodar como um pião no palco gigante do novíssimo e moderno teatro de Lagos. Quando se assentou a poeira, isto é, quando Nascimento concluiu sua defesa brilhante e eloquente do povo negro brasileiro, confirmou-se como legítimo representante dos afro-brasileiros. Ele cresceu em estatura porque reuniu as realidades históricas e culturais dos africanos no Brasil e as trouxe ao restante do mundo. Aqueles que nunca conheceram o Teatro Experimental do Negro do Rio de Janeiro, ou o nome de Zumbi dos Palmares, ou que nunca souberam que os orixás vivem nas comunidades negras urbanas e rurais, na Bahia, em São Paulo, Minas Gerais e outras partes do Brasil, ficaram estarrecidos com a poética e a oratória de Abdias Nascimento sobre um Brasil que, finalmente, estava exposto.
DO LIVRO
Mas, se o governo se julga com o “direito” de escolher para representá-lo os que não sentem com o povo e não sofrem como o povo, ele não tem o direito de acionar seus instrumentos de pressão para impedir que entidades mais abertas e mais lúcidas convidem quem elas julgarem dever convidar. Seria também compreensível que representantes do governo defendessem os pontos de vista governamentais. Mas eles não deveriam temer e muito menos hostilizar a presença de outros brasileiros pelo fato de divergirem da versão oficial. E admitamos ainda como justo que eles temessem e hostilizassem esses colegas incômodos. O mais grave, porém, é que gastaram o dinheiro do país, usaram os canais de nossa diplomacia, fizeram pressão de natureza econômica para esvaziar o sentido da presença e descaracterizar o valor da contribuição de quem divergia deles.
De fato, aquela minha situação de vigiado começara bem antes de Lagos. Já o consulado brasileiro em Nova York, dois anos antes, havia confiscado ilegalmente o meu passaporte. Minha palavra em diversos encontros internacionais africanos (Kingston, Jamaica; Dar-es-Salaam, Tanzânia; Dacar, Senegal etc.), expondo de corpo inteiro o racismo, antigo e mascarado, imperante no Brasil há quase quinhentos anos, motivou aquela violência do nosso governo ditatorial. Era a primeira vez que um negro deste país fornecia à comunidade internacional uma versão diferente da “democracia racial” tão celebrada pelos porta-vozes oficiais brasileiros invariavelmente brancos, no âmbito da ONU, da Unesco e dos congressos de ciência e cultura dedicados ao exame de relações raciais, ao racismo e/ou à discriminação racial. Uma voz discordante das normas ditadas pelas classes dirigentes e governantes deveria ser calada a todo custo. E, para que assim fosse, arbitrariamente e contra todo mandamento legal, o consulado de Nova York, obviamente cumprindo instruções de Brasília, escamoteou meu passaporte.
Aliás, no capítulo das pressões, convém lembrar a permanente arrogância autoritária do Brasil frente às autoridades nigerianas e do Festac, inclusive, conforme assinalamos há pouco, definindo de “sub-reptícia” uma moção votada sob os aplausos da maioria absoluta dos delegados presentes àquela sessão. Nesse episódio se fixou mais uma vez a dimensão menor do Brasil em sua projeção internacional: vangloriando-se de haver recebido um único voto de apoio do delegado do ditador Mobuto Sese Seko, chefe de um dos governos mais odiados em toda a África. Após cooperar no assassínio de Patrice Lumumba, herói da libertação do ex-Congo Belga, Mobuto se apoderou do poder e tornou-se o ditador execrado pelas massas africanas. Entreguista das riquezas minerais do Zaire ao neocolonialismo francês e belga, Mobuto encabeça uma ditadura corrupta e repressiva. Reproduz no continente africano uma excelente contrapartida de entreguismo, corrupção, esmagamento das liberdades públicas e direitos humanos vigentes em nosso país desde 1964. Essas semelhanças não casuais, e sim frutos da mesma causa básica, explicam a perfeita e total identificação de ambas as delegações, do Brasil [Geisel] e do Zaire [Mobuto], votando sincronizadas no colóquio.
O que quero reafirmar é que a experiência de um negro não se restringe a uma dimensão de pura subjetividade intransitiva. Muito pelo contrário, a experiência pessoal do negro registra-se como um fenômeno sociocultural que abrange a inteira coletividade oprimida, vítima de diversas destituições de elementos básicos à sua sobrevivência como povo. São essas algumas das razões que me decidiram a fazer este depoimento. Acredito que o conhecimento dos pormenores desse meu sítio em Lagos sirva para alertar os afro-brasileiros engajados na luta libertária comum para as armadilhas do racismo institucional, estendidas sigilosa e hipocritamente no caminho de todos nós, os que não nos submetemos aos seus ditames. E, por acréscimo, uma filosofia progressista para a sociedade brasileira só pode se beneficiar com a exposição e a crítica pública dos cânceres “confidenciais” que lhe corroem subterraneamente o organismo. Temos de indicar tais tumores malignos ao bisturi cirúrgico dos verdadeiros democratas de qualquer cor epidérmica. Mas a responsabilidade histórica e imediata de esmagar o racismo em nosso país cabe, primariamente, à população afro-brasileira: essa é a vítima, tem sido a presa do supremacismo eurocentrista por tempo demasiadamente longo.
SUMARIO
Apresentação [Elisa Larkin Nascimento]
Abdias em Lagos: Prefácio à Nova Edição [Molefi Kete Asante]
Prefácio [dom José Maria Pires]
1. Os Antecedentes
Quem Matou Pio Zirimu?
2. Os Telegramas: Estratégia e Prática do Sítio
Algumas Observações Acerca dos Telegramas
3. A “Nota Oficial” da Embaixada Brasileira em Lagos
Comentários à “Nota Oficial”
4. Outras Considerações
5. Para Terminar
Apêndice
Carta Aberta ao I Festival Mundial das Artes Negras (Dacar, 1966)
Carta Aberta à II Conferência de Intelectuais Africanos e da Diáspora (Salvador, 2006]
Posfácio: Abdias Nascimento e o Pan-Africanismo [Carlos Moore]
Notas
Referências
FICHA TECNICA
Título: Sitiado em Lagos - Autodefesa de um Negro Acossado Pelo Racismo
Autor: Abdias Nascimento
Apresentação: Elisa Larkin Nascimento
Prefácio à nova edição: Molefi Kete Asante
Prefácio: Dom José Maria Pires
Posfácio: Carlos Moore
Acabamento: brochura
Tamanho: 14 x 19 cm
Número de páginas: 128 pp
ISBN: 978-65-5505-187-2
ISBN e-book: 978-65-5505-188-9
Data de livraria: 17/04
Editora: Perspectiva em coeedição com Ipeafro
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