TERRITÓRIOS CLÍNICOS
Tide Setubal, Viviane Soranso, Laís Guizelini e Fernanda Almeida (orgs.)
Prefácio: Maria Lúcia da Silva e Noemi Moritz Kon
SINOPSE
Territórios Clínicos mostra a riqueza e a diversidade de um trabalho de resgate e reconexão entre indivíduos e sociedade por meio de uma abordagem que valoriza o território, a memória, o ambiente coletivo e a escuta individual como forças transformadoras.
Tendo a psicanálise como eixo teórico e se valendo de metodologias terapêuticas diferentes, os coletivos Casa de Marias, Rede Sur, Perifanálise, Margens Clínicas, Instituto Amma Psique e Negritude, Roda Terapêutica das Pretas e Veredas relatam suas experiências clínico-teóricas, debatem os resultados de suas ações e oferecem à leitora uma visão radicalmente implicada com seus territórios de atuação.
O livro é um desdobramento do projeto Territórios Clínicos, da Fundação Tide Setubal, que reuniu, ao longo de dois anos, sete coletivos de psicólogos/psicanalistas que atuam em diferentes regiões da cidade de São Paulo, com ramificações em todo o país, atuando no atendimento clínico individual e/ou coletivo de populações periféricas, que apresentaram, trocaram e debateram suas experiências e métodos de ação no campo social. São clínicas-escola, clínicas públicas, coletivos, grupos e instituições de psicanálise.
O livro se estrutura em três partes. Na primeira, temos a apresentação dos coletivos participantes (Casa de Marias, Rede Sur, Perifanálise, Margens Clínicas, Instituto Amma Psique e Negritude, Roda Terapêutica das Pretas e Veredas). Na segunda, na esteira das apresentações no seminário de encerramento do projeto, temas como as clínicas públicas de psicanálise, os deslocamento territoriais e psiquícos, a intervenção social, militância e formação, os marcadores sociais, a decolonização são discutidos em profundidade. Na terceira e última parte, a institucionalização dos coletivos e seu futuro entram em foco.
Uma obra inspiradora que carrega em seu conteúdo a força do trabalho coletivo e solidário e nos faz sonhar que ainda é possível criar um ambiente social coletivamente integrado.
QUARTA-CAPA
A despeito de importantes iniciativas de alguns pioneiros, a psicanálise no Brasil tem uma enorme dívida social no campo da saúde mental. Só a partir dos anos 1990, com a estruturação do SUS, e dos anos 2000, com a Lei da Reforma Psiquiátrica, fruto da luta antimanicomial, é que começam a se avolumar projetos de clínicas públicas de psicanálise no país e a se reconhecer a importância do cuidado psicológico às populações que nunca tiveram acesso a esse tipo de tratamento.
Uma cena que prospera com vigor e reúne profissionais que desenvolvem trabalhos consistentes com metodologias e abordagens que incluem os diversos contextos brasileiros em sua implementação, mas utilizando o ferramental psicanalítico.
Territórios Clínicos é produto de um trabalho organizado e promovido pela Fundação Tide Setubal que reuniu, ao longo de dois anos, sete coletivos que atuam em diferentes regiões da cidade de São Paulo com ramificações em todo o país, por meio de formações com especialistas no atendimento clínico individual e/ou coletivo de populações periféricas trocando experiências e colaborando entre si.
Território, memória, comunidade, família e pessoa, as clínicas públicas mostram a importância de uma abordagem que valoriza o ambiente coletivo e a escuta individual como força transformadora da sociedade. Este livro conta essa história.
ORGANIZADORAS
TIDE SETUBAL
Psicóloga, psicanalista, mestre pela universidade Paris V. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, onde participa de grupos de pesquisa e leciona o curso Clínica Psicanalítica - Conflito e Sintoma. Coordenadora do projeto Territórios Clínicos e conselheira da Fundação Tide Setubal.
VIVIANE SORANSO
Psicóloga, ativista social, especializada na promoção da inclusão racial e de gênero. Mestre em Mudança Social e Participação Política pela USP. Coordenadora do Programa Lideranças Negras e Oportunidades de Acesso na Fundação Tide Setubal, desempenha papel fundamental na implementação do Comitê de Diversidade e inclusão.
LAÍS DE ABREU GUIZELINI
Psicanalista e psicóloga. Parte da equipe do Canal de Acolhimento e analista de programas e projetos na Fundação Tide Setubal, atuando na linha de saúde mental Territórios Clínicos.
FERNANDA ALMEIDA
Psicanalista e assistente social. Atua no SUS em um CAPS-AD. Membro aspirante, integrante da equipe editorial do Boletim online e da Comissão de Reparação Racial e Ações Afirmativas do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Integra o projeto Territórios Clínicos da Fundação Tide Setubal.
AUTORES
ANA CAROLINA BARROS SILVA
Diretora-geral da Casa de Marias, psicanalista com duplo doutoramento em Psicologia, Linguagem e Educação pela Universidade de São Paulo e pela Université Paris VIII.
BIANCA SPINOLA
Psicóloga formada pela PUC-SP, é integrante da Rede SUR psicanálise desde 2019. Atua em clínica particular com temas voltados à raça, com especial enfoque nas questões sobre mestiçagem.
CAMILA GENEROSO
Psicóloga, psicanalista. Especialista em psicopedagogia e desenvolvimento infantil. Atua na área clínica com atendimento a crianças, adolescentes e adultos. Na área jurídica, trabalha como perita e assistência técnica. Em seu trajeto de estudos, desenvolve pesquisas em saúde mental das crianças negras e relações familiares.
CLÉLIA PRESTES
Coordenadora de Formação no AMMA Psique e Negritude. Pós-Doutoranda no Diversitas/FFLCH (USP), com pesquisa sobre “Concepções de Saúde e de Futuro”. Doutora em Psicologia Social (USP).
DEISY PESSOA
Psicóloga Clínica bilíngue (LIBRAS) PUC-SP; especializada em Saúde Coletiva - USP; psicanalista focada em relações sociais; artista e arteira pela vida. Acredita na arte como tecnologia de saúde mental.
EMILIANO CAMARGO DAVID
Psicólogo e psicanalista; professor adjunto do Instituto de Psicologia da UERJ; docente colaborador do Mestrado Profissional em Atenção Psicossocial (MEPPSO/UFRJ); Integrante do AMMA Psique e Negritude
FERNANDA ALMEIDA
Psicanalista e assistente social, atua no SUS em um CAPS-AD. Integrante da equipe editorial do Boletim online e da Comissão de Reparação Racial e Ações Afirmativas do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Integra o projeto Territórios Clínicos da Fundação Tide Setubal.
GABRIEL INTICHER BINKOWSKI
Psicanalista e professor no Instituto de Psicologia da USP. Doutor em Psicologia pela Université Sorbonne Paris Nord. É membro do Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política (PSOPOL). Coordena o eixo de Clínica Transcultural do Grupo Veredas: Psicanálise e Migração.
HELENA B. GUILHON
Psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro do projeto de clínica pública Rede SUR de 2019 a 2023. Monitora no curso de especialização Psicanálise nas Situações Sociais Críticas de 2020 a 2022. Em formação no curso Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Psicóloga voluntária para a ONG Mundo AFlora.
KWAME YONATAN
Psicanalista, pós-doutorando pela USP e doutor pela PUC-SP. Poeta e escritor, possui quatro livros publicados, sendo o último Por um Fio: Uma Escuta das Diásporas Pulsionais.
LAÍS DE ABREU GUIZELINI
Psicanalista e psicóloga. Parte da equipe do Canal de Acolhimento e analista de programas e projetos na Fundação Tide Setubal, atuando na linha de saúde mental Territórios Clínicos.
MARCOS AMARAL
Psicólogo de perspectiva sócio-histórica, doutor em Educação: Psicologia da Educação (PUC-SP). Coordenador de incidência política e institucional no AMMA Psique e Negritude.
MARIA LÚCIA DA SILVA
Psicóloga, Psicanalista. Cofundadora e integrante do AMMA Psique e Negritude: Pesquisa, Formação e Referência em Relações Raciais e da Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es). Fellow da Ashoka - Empreendimento Social.
MIRIAM DEBIEUX ROSA
Psicanalista, Professora Titular do Instituto de Psicologia da USP. Coordena o Laboratório Psicanálise, Sociedade e Política (PSOPOL) e o Grupo Veredas: Psicanálise e Imigração. Pró-Reitora Adjunta para Inclusão e Pertencimento da USP.
NOEMI MORITZ KON
Psicanalista, mestre e doutora pelo IPUSP, membro do Departamento de Psicanálise do Inst. Sedes Sapientiae. Autora de Freud e Seu Duplo (Edusp/Fapesp), A Viagem: Da Literatura à Psicanálise (Companhia das Letras), coorganizadora de O Racismo e o Negro no Brasil, Questões Para a Psicanálise (Perspectiva).
PAULA JAMELI
Psicóloga e psicanalista. Cofundadora e membra do corpo clínico do coletivo PerifAnálise São Mateus. Formação continuada em psicanálise nas perspectivas teórica, clínica, política e interseccional (raça, classe e gênero).
PEDRO SEINCMAN
Doutorando em Psicologia Clínica no Instituto de Psicologia da USP, mestre em Psicologia Social pela PUC-SP, membro do Laboratório Psicanálise, Sociedade e Política do IPUSP (PSOPOL).
PRISCILLA SANTOS DE SOUZA
Psicanalista, doutora pelo Instituto de Psicologia da USP; membra do PSOPOL; professora do Instituto Gerar; militante do Movimento de Mulheres Olga Benário e da Escola Tamuya de Formação Popular.
RAFAEL ALVES LIMA
Professor de História e Filosofia da Psicologia do Departamento de Psicologia Experimental do IP-USP; psicanalista; membro do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise (LATESFIP-USP), autor de A Psicanálise na Ditadura (Perspectiva).
RODA TERAPÊUTICA DAS PRETAS
Coletivo de psicólogas negras que se propõe a oferecer atendimento psicoterapêutico através de dispositivos grupais para mulheres negras e periféricas.
ROSIMEIRE BUSSOLA SANTANA SILVA
Cofundadora do Coletivo PerifAnálise - São Mateus. Artesã, Psicóloga, trabalhadora do SUS. Pós-graduada em Saúde da Família. Desde 2012, atuante nas políticas públicas da zona leste de São Paulo.
SANDRA ALENCAR
Psicóloga, psicanalista, mestre e doutora em psicologia social, membro do Grupo Veredas - Psicanálise e Migração, e trabalhadora da saúde na Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.
TIDE SETUBAL
Psicóloga, psicanalista, mestre pela universidade Paris V. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, onde participa de grupos de pesquisa e é professora do curso Clínica Psicanalítica - Conflito e Sintoma. Coordenadora do projeto Territórios Clínicos e conselheira da Fundação Tide Setubal.
VERONICA ROSA DA SILVA
Mãe; psicóloga; psicanalista; trabalhadora do SUAS; membro dos coletivos Pretoologia e PerifAnálise São Mateus; uma das condutoras do grupo de estudos EtnoperifA e de estudos em Freud.
VIVIANE SORANSO
Psicóloga, ativista social, especializada na promoção da inclusão racial e de gênero. Mestre em Mudança Social e Participação Política pela USP. Coordenadora do Programa Lideranças Negras e Oportunidades de Acesso na Fundação Tide Setubal. Desempenha papel fundamental na implementação do Comitê de Diversidade e Inclusão.
Coleção DEBATES
Dedicada à publicação da ensaística de ponta nos diferentes ramos das Artes e Ciências Humanas, a coleção Debates, traz contribuições significativas e, às vezes fundamentais, de autores como Umberto Eco, Roman Jakobson, Max Bense, Martin Buber, Tzvetan Todorov, Fernand Braudel, Gershom Scholem, Antonio José Saraiva, José Augusto Seabra, Anatol Rosenfeld, Benedito Nunes, Affonso Ávila, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi, para citar apenas alguns dos autores que compartilharam com o leitor seus questionamentos e suas experiências nos mais de trezentos títulos já publicados.
DA CAPA
Imagem da capa: mapa afetivo de ruas de centro urbano
TRECHOS
DA APRESENTAÇÃO
Inúmeras perguntas surgiram logo no início dessa caminhada. Elas foram o motor dos primeiros passos para mapear o que existia no campo e, a partir daí, desenhar um projeto. Pesquisamos, lemos e conversamos com diversas pessoas que atuam nessa dobra da psicanálise com o campo social. Nesse meio-tempo, também tive a oportunidade de fazer parte de um grupo de pesquisa chamado “As Clínicas Públicas de Psicanálise no Brasil”, no qual entrevistamos diversas pessoas e coletivos que trabalham com saúde mental de forma pública e abrangente em nosso país.
O que é a prática clínica e o que são os dispositivos clínicos? Como ampliar a concepção de clínica para além dos muros? Como pensá-la nos espaços públicos e nos diversos territórios? O que são clínicas públicas de psicanálise?
Partimos de uma concepção comum de clínica que não se restringe ao consultório particular. A clínica pode estar em qualquer lugar: nas ruas, nos espaços públicos, nas praças, nos equipamentos públicos ou privados ou mesmo nos ambientes virtuais que tomaram um grande espaço a partir da pandemia.
As clínicas públicas são grupos de trabalhadores de saúde mental que se reúnem em torno de um projeto clínico (clínica ampliada), em articulação com a esfera pública, e que produzem algum benefício para um indivíduo e também, necessariamente, para um coletivo, para a sociedade, não atuando, portanto, exclusivamente na esfera privada/ individual. São clínicas que muitas vezes podem e devem, inclusive, se articular com a rede pública de saúde mental.
DO LIVRO
REDE SUR: CONSTRUINDO DISPOSITIVOS CLÍNICOS NAS SITUAÇÕES SOCIAIS CRÍTICAS Helena Albuquerque
Ainda falando sobre o efeito da pandemia nos jovens e a necessidade de trabalharmos com os adolescentes, nos foi narrada uma cena de morte, isolamento, solidão e descaso. Eram por esses emergentes que os adolescentes pareciam se sentir rodeados. Frases como “Tudo pode parar, mas o tráfico não para”, “ninguém fica sem droga” ou “ninguém está nem aí para a gente” foram ditas pelos próprios adolescentes em rodas de conversas realizadas pelos profissionais que trabalhavam com esses jovens diariamente no galpão, antes da pandemia. Falavam de uma realidade cheia de hostilidade e violência, em que se sentiam encurralados entre as pressões familiares, o tráfico, o medo da morte pela polícia, o isolamento e a solidão.
MARGENS CLÍNICAS: CENTRALIDADE E MARGINALIDADE
O fato de nos nomearmos Margens Clínicas, e de nos referirmos a nós mesmos simplesmente como Margens, diz dessa dupla consciência/inconsciência a partir da qual o coletivo busca trabalhar; diz desse paradoxo a partir do qual a própria clínica se constrói quando ela se propõe a partir de um diálogo com as especificidades locais, temporais e subjetivas, relativizando seu lugar de saber, sem abrir mão dele, fazendo emergir um saber compartilhado, um cuidado nomeado.
Nesse sentido, o início dos trabalhos do coletivo se deu pela procura pelo deslocamento espacial ao longo da cidade de São Paulo. Formado por pessoas de origens distintas, porém no momento de sua fundação, todas residentes em regiões centrais da cidade de São Paulo, estudantes de universidades também centrais, PUC e USP, a busca pela margem se fez como a busca pela própria origem daquilo que se impunha e se autodenominava centro. Qual era esse território, quais eram esses sujeitos, que nos margeavam e, ao fazê-lo, permitiam nosso reconhecimento como centro? Que centro era esse que se autodenominava como tal a partir de uma narrativa meritocrática de conquista e direito, excluindo e violentando as margens que lhe permitiam sua forma.
INSTITUTO AMMA PSIQUE E NEGRITUDE: UMA NECESSIDADE HISTÓRICA Maria Lúcia da Silva e Marcos Amaral
Sabemos que a preocupação e o enfoque sobre as relações raciais na sociedade brasileira têm mudado nos últimos anos. Em um primeiro momento, agências governamentais, bem como programas específicos no âmbito dos governos federal, estadual e municipal, foram criadas com o intuito de diminuir as desigualdades provocadas pelo racismo. A sociedade brasileira e, mais especificamente, o Estado brasileiro começaram a responder às demandas e reivindicações da luta política do movimento negro.
No entanto, ainda são respostas tímidas e pontuais, o que resulta na existência de lacunas entre os níveis definidores das leis e das políticas públicas e as necessidades da população propriamente dita.
No campo da ciência e da profissão psicológica, a psicologia privilegia hegemonicamente uma formação voltada para o consultório particular e, por vezes, negligencia as discussões do campo do social e o preparo dos estudantes em relação aos temas sociais, particularmente, o racismo, dificultando o engajamento nas ações de cunho mais político e estrutural, na busca de comprometer o Estado na oferta de serviços para todas e todos, e com qualidade.
Dessa forma, se faz necessário um centro emanador de pensamentos e de práticas, municiadas com pesquisas que auxiliem psicólogas e psicólogos na (re)orientação das suas ações/produções. Nesse sentido, um centro de formação e pesquisa poderá cumprir esse papel.
DESLOCAMENTOS FÍSICOS, PSÍQUICOS E TERRITORIAIS: QUEM FAZ CLÍNICA NAS PERIFERIAS? Rosimeire Bussola, [PerifAnálise]
Convido o leitor a refletir sobre os discursos que operam nas instituições e como superá-los. Por vezes, ocorre de o dispositivo clínico periférico ser questionado em sua dimensão clínica por fundar-se, estruturalmente, com recursos territoriais, desde seu espaço físico, mobiliário e estético; entende-se pouco sobre os efeitos de uma clínica psicanalítica existente em uma favela, numa Favela Galeria, construída por artistas do hip hop da Vila Flávia.
Nesse sentido, retomo a importância do desencastelamento da psicanálise, mas, sobretudo, da descolonização do psicanalista, porque não basta sair do castelo e iniciar uma cruzada rumo às favelas; é preciso que haja agentes periféricos protagonistas e autônomos no uso dos saberes ancestrais para a promoção de seus cuidados físicos e psíquicos.
(PRO)VOCAÇÕES DA MILITÂNCIA À PSICANÁLISE Clélia Prestes [Amma]
Qual é a condição de saúde psíquica de uma nação que queimou parte da sua história? Qual a possibilidade de nomear para uma nação que não tem como voltar mais do que duas ou três gerações? Em psicanálise, sabemos da importância de voltar, de recontar, de ressignificar, de renomear. Qual é o efeito psicológico de uma nação que insiste em impor religiosidades, corporeidades, teorizações próprias de uma minoria, enquanto patologiza aspectos raciais e étnicos da maioria ou mesmo dos povos originários?
Há um efeito quando as graduações em psicologia, em um país negro, que praticou a escravização por séculos, não tratam do fato de a maioria das pessoas ter um sobrenome que não é delas. Isso enquanto somos um campo que se dispõe a discutir história, sentido, narrativa, nomeações. Como pode isso não aparecer na nossa clínica? Se a gente fala de transferência e de contratransferência, como podem todas essas questões não aparecerem em nossa clínica?
O CASO CLÍNICO-POLÍTICO FRENTE AOS MARCADORES SOCIAIS: ARTICULAÇÃO ENTRE A ESCUTA PSICANALÍTICA E A FACE PÚBLICA DA CLÍNICA Miriam Debieux Rosa, Gabriel Binkowski, Sandra Luzia de Souza Alencar e Priscilla Santos de Souza [Veredas]
Para uma psicanálise implicada com os fenômenos sociais e políticos1, faz-se necessário articular na clínica as três dimensões da ética freudiana, expressas na posição do impossível contido nos atos de analisar (clínica), ensinar (formação) e governar (dirigir/militar). Marcar a dimensão do impossível desses atos está no cerne da ética, depois retomada por Lacan na articulação da clínica do sujeito da linguagem à clínica do laço social, do laço discursivo, e seus giros na produção do sujeito em modalidades de governança.
A clínica do laço social e do traumático nele, constituído por incitar o sofrimento sociopolítico, tardou a ser aceita nos círculos tradicionais da psicanálise, e tem sido construída pelas bordas. Finalmente, nos últimos anos, toma a cena do campo psicanalítico, ainda em embate sobre o que lhe é próprio e as modalidades de clínica que produz – o que, neste texto, optamos por abordar através da construção do caso clínico-político.
Vamos abordar brevemente algumas posições que nos caracterizam: 1. a clínica é política; 2. a construção do caso clínico-político supõe considerar a marca do caso e os marcadores sociais; 3. a escuta e a transferência são atravessadas pela suspeição dos impasses e desencontros no pacto social (ou contrato narcísico, pacto da branquitude, mal-estar colonial); 4. Quando o sofrimento é, prioritariamente, sociopolítico, a direção do trabalho inclui a face pública e coletiva da clínica: a direção do trabalho clínico vai da transmutação dos marcadores sociais para a marca do caso; e, por fim; 5. a clínica psicanalítica articula-se com a política/militância e a formação do psicanalista, na medida em que inclui um posicionamento crítico e ético-político perante os mecanismos de poder e de governança social.
SUJEITO E TERRITÓRIO: ENODAMENTOS ENTRE CLÍNICA, ÉTICA E POLÍTICA Ana Carolina Barros Silva [Casa de Marias]
Por isso, a nossa luta por saúde mental é sempre coletiva, antirracista, em defesa irrestrita do Sistema Único de Saúde, em sua potencialidade de garantir o direito de acesso à saúde de forma pública, universal, gratuita e irrestrita. Qualquer coisa diferente disso será só o bom e velho liberalismo e sua glorificação de conquistas individuais que nada alteram a dinâmica na qual vivemos enquanto sociedade. Para nós, da Casa de Marias, só existe uma saída e ela é coletiva, é para todas/os/es nós.
SOBRE AS ESTRATÉGIAS DE LIDAR COM AS INTEMPÉRIES EM FORMA DE RODA A Coletiva [Rede Terapêutica das Pretas]
Considerando-se que essas vivências incidem sobre o próprio corpo e provocam sensações constantes de angústia, ansiedade e estresse, podem, eventualmente, levar a um processo de despersonalização, caracterizado por vivências perturbadoras e angustiantes em que a pessoa sente estranheza em relação a si mesma e ao próprio corpo. Desse modo, essas experiências derivadas do racismo podem ser fator de risco relevante no desenvolvimento de transtornos
psiquiátricos, por serem condições determinantes no processo de adoecimento da população negra.
Ao longo de nossa jornada, vamos escutando e percebendo que muito se faz ao escutar e, através disso, dar nome, sentido e significado ao sofrimento, ao passo que nos perguntamos: existe alguma experiência tão individual que nos torne alheios a um grupo tão identitário como esse?
Dito isso, começaremos a pensar sobre nossas dificuldades em sermos terapeutas negras, atendendo outras mulheres negras periféricas. Estamos falando sobre o lugar de sermos espelhos, no mínimo, estéticos, das pessoas com quem trabalhamos. Entretanto, somos mulheres em ascensão social, muitas das vezes, familiar.
Se a princípio entendemos que, para a psicanálise, o processo terapêutico precisa da transferência e contratransferência para seu andamento, vale observar que, em nosso projeto, ainda que todas sejam mulheres negras, encontramos uma disparidade, já que, para essas mulheres – grande parte das vezes pobres –, nem sempre ocupamos o mesmo espaço.
SUJEITO E TERRITÓRIO: ENODAMENTOS ENTRE CLÍNICA, ÉTICA E POLÍTICA Ana Carolina Barros Silva [Casa de Marias]
Como não resgatar aqui a figura do “coaching”, empreendedor de si mesmo, que vende a solução das suas angústias num pacote de cinco passos, parcelado em dez vezes? Essa figura só pode existir a partir de um discurso individualizante, que entende o indivíduo como o único possível causador de suas próprias mazelas – sejam essas de que ordem forem – e, portanto, aquele que poderá, com alguma força de vontade e investimento financeiro, curar-se e transformar-se em uma pessoa melhor, mais feliz, completa e plena. O fim dos problemas num estalar de dedos.
Abre-se aí margem para toda sorte de discursos meritocráticos, culpabilizadores e sem nenhuma crítica social da realidade. Com isso, aparece também toda variedade de “terapêuticas”, a serem geridas pelo próprio indivíduo para sua autossuperação. Esse mesmo discurso costuma vir também imerso no caldo que atribui a graves questões históricas, políticas, sociais e econômicas o status de “mimimi”, que acompanham pérolas como “está se fazendo de vítima” ou “só está sofrendo porque quer”, seguidos, geralmente, de um exemplo “inspirador” de alguma personalidade excepcional que “subiu na vida e deu a volta por cima porque batalhou muito”.
É esse, infelizmente, o poço no qual estamos. E é dele que precisaremos sair, recolocando os “pingos nos is”, se quisermos restabelecer, no debate público, uma reflexão mais séria, ética e comprometida sobre saúde mental pública no Brasil de hoje. Sim, porque foi desse tipo de pensamento que nasceram projetos, em voga hoje, de privatização, terceirização, precarização e desinvestimento.
SUMÁRIO
Apresentação [por Tide Setubal]
Prefácio: Corpo-Território-Coletivo [por Maria Lúcia da Silva e Noemi Moritz Kon]
PARTE 1: COLETIVOS DE CLÍNICAS PÚBLICAS
Casa de Marias [Camila Generoso]
Rede SUR: Construindo Dispositivos Clínicos nas Situações Sociais Críticas [por Helena Albuquerque]
PerifAnálise [por Paula Jameli]
Margens Clínicas: Centralidade e Marginalidade
Instituto AMMA Psique e Negritude: Uma Necessidade Histórica [por Maria Lúcia da Silva e Marcos Amaral]
Roda Terapêutica das Pretas: Atravessando Utopias, Construindo Realidades [por A Coletiva]
Grupo Veredas: Psicanálise e Imigração [por Sandra Luzia de Souza Alencar, Miriam Debieux Rosa, Gabriel Binkowski e Pedro Seincman]
PARTE 2: DEBATES
Políticas de Estado e Clínicas Públicas: Limites e Articulações
Abertura: O Que Pode a Clínica Pública Diante da Barbárie Colonial? [por Kwame Yonatan Poli dos Santos/Margens Clínicas]
Psicanálise e Intervenção Social: Possibilidades do Lugar de Estrangeiro na Clínica Pública de Psicanálise [Bianca Spinola Lapa/SUR]
Deslocamentos Físicos, Psíquicos e Territoriais: Quem Faz Clínica nas Periferias? [por Rosimeire Bussola/PerifAnálise]
O Antimanicolonial e Seu Agir Fronteiriço: Articulações Entre as Políticas e Clínicas Públicas [por Emiliano de Camargo David/Amma]
Clínica, Militância e Formação: Questões de Raça, Classe e Gênero Vistas Pelas Lentes da Metapsicologia Psicanalítica
Abertura [por Deisy Pessoa/Casa de Marias]
(Pro)vocações da Militância à Psicanálise [por Clélia Prestes/Amma]
O Caso Clínico-Político Frente aos Marcadores Sociais: Articulação Entre a Escuta Psicanalítica e a Face Pública da Clínica [por Miriam Debieux Rosa, Gabriel Binkowski, Sandra Luzia de Souza Alencar e Priscilla Santos de Souza/Veredas]
Clínica e Território
Abertura: Sejamos Nós os Psicanalistas [Laís de Abreu Guizelini/Fundação Tide Setubal]
Sobre as Estratégias de Lidar Com as Intempéries em Forma de Roda [por A Coletiva/Roda Terapêutica das Pretas]
Sujeito e Território: Enodamentos Entre Clínica, Ética e Política [por Ana Carolina Barros Silva/Casa de Marias]
Desafios e Potências [por Verônica Rosa/PerifAnálise]]
PARTE 3: DEVIR E PORVIR DAS CLÍNICAS PÚBLICAS
Territórios Clínicos: A Construção de Outros Tempos – São Tempos de Esperança [por Fernanda Almeida]
Os Coletivos de Psicanálise, a Institucionalização e Seus Descontentes: Um Ensaio Para um Debate Permanente [por Rafael Alves Lima]
Sobre os Autores
FICHA TÉCNICA
Tide Setubal, Viviane Soranso, Laís Guizelini e Fernanda Almeida (orgs.)
Prefácio: Maria Lúcia da Silva e Noemi Moritz Kon
Debates
Psicanálise/Psicologia
Formato brochura
11,5 x 20,5 cm
280 páginas
ISBN 978-65-5505-201-5
Lançamento 4 out
EBOOK
ISBN 978-65-5505-202-2
1 x de R$64,90 sem juros | Total R$64,90 | |
2 x de R$34,16 | Total R$68,31 | |
3 x de R$23,16 | Total R$69,48 | |
4 x de R$17,66 | Total R$70,66 | |
5 x de R$14,37 | Total R$71,85 | |
6 x de R$12,18 | Total R$73,05 |