EXCLUA O JUDEU EM NÓS
Jean-Luc Nancy
Tradução, posfácio e notas: Breno Isaac Benedykt
Nancy analisa a figura do "judeu" como o excluído interno do Ocidente, revelando como o antissemitismo reflete a rejeição da alteridade. Uma reflexão filosófica profunda sobre identidade, exclusão e ética.
SINOPSE
Em Exclua o Judeu em Nós, Jean-Luc Nancy reflete sobre a figura do "judeu" como um conceito que transcende a identidade judaica histórica, representando uma alteridade radical no pensamento ocidental. Nancy argumenta que o judeu, excluído e perseguido ao longo da história, simboliza o estrangeiro interno, aquilo que a cultura europeia tenta reprimir para afirmar sua própria identidade.
O livro explora como o antissemitismo não é apenas um preconceito entre outros, mas uma estrutura profunda do pensamento ocidental, que busca excluir o diferente para consolidar uma falsa pureza. Nancy vincula essa exclusão a mecanismos metafísicos e políticos, mostrando como a figura do judeu é simultaneamente rejeitada e necessária para a autodefinição do "nós".
A obra também discute a relação entre judaísmo e cristianismo, destacando como o segundo tentou superar o primeiro, mas permaneceu marcado por ele. Nancy propõe uma reflexão ética sobre a aceitação da alteridade, sugerindo que a exclusão do "judeu em nós" revela uma incapacidade de lidar com a diferença constitutiva da humanidade.
Em estilo filosófico denso, Nancy desafia o leitor a reconhecer e superar essa lógica de exclusão, propondo uma abertura ao outro como fundamento de uma comunidade verdadeiramente inclusiva.
QUARTA-CAPA
Nancy desmonta a razão ocidental ao revelar como a exclusão do “judeu” a estrutura. Exclua o Judeu em Nós mostra como a metafísica europeia, ao se construir contra o judaísmo, nega suas próprias raízes abraâmicas. O cristianismo aparece como duplo movimento: apropriação e rejeição da tradição judaica.
Em uma análise filosófica radical, Nancy expõe o paradoxo: o Ocidente define-se excluindo o que lhe é constitutivo. Não se trata apenas de antissemitismo, mas da violência fundadora de um pensamento que quer purificar-se de suas origens.
O livro aponta para a necessidade de superar esta lógica excludente, propondo um novo diálogo com a alteridade – condição para um pensamento verdadeiramente pós-metafísico.
JEAN-LUC NANCY (1940-2021)
Filósofo ligado ao movimento da desconstrução, foi aluno e colega de Jacques Derrida. Foi professor da Universidade Marc Bloch de Estrasburgo, tendo lecionado também e Berkeley, Berlim e San Diego. Sua obra se destaca pela reflexão sobre temas como a comunidade, o ser, o sentido, a arte e a política.
Em seus estudos sobre comunidade, propõe uma comunidade não produzida ou controlada, mas que emerge da partilha de um “estar-em-comum”. Defende, ainda, que o ser não é um
sujeito solitário, mas que sempre está em relação com outros, em coexistência, e a singularidade só se manifesta na pluralidade das relações, como uma existência singular plural.
Nancy também se dedicou intensamente à filosofia da arte, à religião (com obras sobre o cristianismo) e à política, criticando o totalitarismo e o niilismo moderno. Sua escrita, de grande rigor e densidade, busca pensar o sentido da existência em um mundo sem fundamentos ou transcendência.
No Brasil, publicou, entre outros, A Comunidade Inoperada (7Letras), Arquivida: Do Senciente e do Sentido (Iluminuras), Banalidade de Heidegger (Via Verita), Corpo Fora (7Letras), Demanda: Literatura e Filosofia (Ed. UFSC)
COLEÇÃO “A QUESTÃO JUDAICA CONTEMPORÂNEA”
Esta coletânea propõe uma contextualização crítica e uma análise situada das múltiplas configurações identitárias, políticas e simbólicas da questão judaica contemporânea, considerando os desdobramentos do ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 a Israel e a subsequente resposta militar israelense em Gaza.
ORELHA
Essa rápida expansão geográfica da violência antissemita pode ser vista como um sintoma do aumento generalizado de incidentes de violência impulsiva ou passional (na medida em que esse tipo de violência pode ser distinguido de outros, como a violência social, econômica ou política) que ocorrem em um mundo desorientado. Mas, mesmo que fosse esse o caso, ele ainda precisa ser compreendido em termos de sua estarrecedora continuidade com – e perpetuação de – uma doença e um desarranjo que têm pertencido ao Ocidente desde sua origem.
Que um ódio tão feroz, único na história das civilizações, tenha alcançado o continente {América] e o país [EUA] onde o Ocidente viveu sua maior expansão antes de se espalhar por toda parte, é isso que dá a este livro sua terrível justificativa: expor o papel originário e constitutivo do antissemitismo no desenvolvimento da estrutura simbólica, ética e emocional do Ocidente.
O QUE DIZ O AUTOR
Acho que há uma grande tentação no Ocidente de encontrar novas fontes, novas ideias, por exemplo em certas religiosidades orientais, como o zen. Mas eu tenho a impressão de que na história jamais voltamos para trás. Não é procurando novas ideias em formas de pensamento antigas, datadas na história, que se vai renovar o Ocidente. Enquanto isso, uma transformação está sem dúvida se produzindo, invisível para nós, no interior do próprio Ocidente e que irá dar em alguma coisa absolutamente imprevisível. Estou profundamente persuadido de que vivemos numa época de mutação comparável ao fim da Antiguidade. É toda uma civilização que chegou ao fim, e nós a vemos hoje como um romano do século V enxergava a sua. Ele não tinha nenhuma ideia do que iria se passar e simplesmente constatava que a civilização romana, ou greco-romana, estava desmoronando. Não via que estava começando uma outra cultura, que seria a da Europa cristã. [Folha de S.Paulo, caderno Mais, 8 de dezembro de 2002]
PÚBLICO-ALVO
Todos que se interessem por filosofia, religião, sociologia, antirracismo, antissemitismo, história das ideias.
PALAVRAS-CHAVE
Filosofia, religião, antirracismo, antissemitismo, sociologia, comunidade, história das ideias, França.
TRECHOS
Introdução
O presente estudo identifica a origem profunda do antissemitismo – um fenômeno absolutamente único na história das civilizações – em uma divisão originária do mundo europeu. Uma divisão originária, por assim dizer, que também significa uma origem dividida, ou ainda uma divisão que é, ela mesma, originária. Os dois significados devem ser aprofundados e examinados em conjunto, e o presente ensaio pretende ser uma primeira tentativa nesse sentido.
Introdução
É sabido que, em nenhum outro lugar como na América (nos Estados Unidos, na Argentina, no Brasil etc.), o judaísmo desenvolveu uma cultura que é, ao mesmo tempo, própria e imersa em seu ambiente – e que, muitas vezes, também é amplamente reconhecida no restante do mundo. Trata-se de uma cultura que frequentemente foi parte integrante – e, por vezes, até mesmo geradora – das contestações a respeito do poder estadunidense. Ela também não permaneceu em silêncio diante do que os Estados Unidos chamam de “Holocausto” e que, na Europa, ganhou o nome de “Schoá”. No entanto, apesar de se poder debater qual foi o papel das Américas nesse evento, permanece o fato de que foram os judeus da Europa que foram exterminados, e é a partir de dentro da Europa que se pode tentar compreender, remontando às origens, a importância constitutiva da laceração antissemita.
Banalidade
Entre os muitos traços que marcam a evidência da continuidade entre o antigo [antissemitismo] e o moderno, a banalidade deve ser destacada: em cada etapa, trata-se da banalização de motivos e impulsos de origem eclesiástica ou política, teológica ou antropológica. É muito notável que elaborações intelectuais tenham conseguido, ao longo da história, se propagar com uma amplitude tal que constituíram um conjunto de representações populares, incorporadas como evidências naturais tanto na cultura mais banal quanto na mais elevada (por exemplo: Dante, Shakespeare, Kant, Kierkegaard, Marx, Baudelaire, Heidegger).
Onipotência
Poder-se-ia arriscar a dizer: o mundo grecoromano devia e queria pertencer somente a si mesmo. Ele se esgota e se perde em si mesmo. Ele precisava de um outro pertencimento – mas um que, apesar de tudo, lhe restituísse de alguma maneira sua autossuficiência. É isso que acontece com o cristianismo. Um sujeito descentrado reencontra a confiança em si mesmo através da confiança em uma onipotência inabalável.
Incompatibilidade
Ao mesmo tempo, todavia, os dois lados desse novo homem [cristão] não são compatíveis. Um é o homem livre da cidade, o outro é o interpelado pelo chamado. Um se apresenta como autônomo, o outro como heterônomo. Um é destinado a difundir seu modelo (universal por definição), o outro é destinado a se preservar em sua resposta ao chamado. Essa incompatibilidade não se instala apenas entre os povos: é legítimo pensar que ela estrutura o novo homem.
Ódio de Si
A incompatibilidade entre os dois lados – somada à potência mais visível e operativa da autonomia – suscitou o fenômeno, talvez único, da exclusão interna de um representante do segundo lado: o Judeu. Um representante singular – e, portanto, de imediato colocado à parte, pois é pelo viés da singularidade que o Judeu se distinguiu, ou até mesmo se inventou.
Pulsões
Não basta invocar, como fiz acima, a passagem às dimensões modernas da técnica, da dominação e do racismo. Essa mudança de escala, contudo, não é indiferente: o que separa os tratados adversus judaeos dos primeiros séculos, a expulsão dos judeus da Espanha no século XV, os pogroms do século XIX e a “solução final” nazista, forma uma série indissociável de atravessamentos ou de ultrapassagens de uma época para outra, bem como a contínua perseguição de um mesmo motivo: o de uma maldição justificada por Deus, pela história, pela necessidade de excluir do mundo uma mácula abominável, ligada à própria constituição e à obstinação maligna de um povo cuja mera persistência, por si só, já autoriza a suspeita.
DO POSFÁCIO
[...] um fator que caracteriza a originalidade analítica de Nancy com relação ao antissemitismo e que se apresenta como sendo o cerne de um problema estrutural, a saber, a contradição interna do Ocidente entre seu desejo de conquista de uma autonomia absoluta, por meio da unificação dialética do particular e do universal, extraída de uma racionalidade que tende a avançar e a se expandir no sentido de uma identidade unificada e de poder reconciliador, extraída de suas origens grega e romana, e o profetismo judaico, advindo da aliança com uma heteronomia irreconciliável e intraduzível. O Judeu se transforma, assim, naquele que enuncia a promessa, sem jamais se mostrar capaz de compreender qual a mensagem prometida, condenado, por isso, a viver na errância, fonte das mazelas de sua existência e dos males que recaem sobre o mundo. Daí uma das razões de Nancy insistir num único termo para designar as diferentes variações e deslocamentos que o antissemitismo sofreu ao longo dos séculos, desde o marcionismo cristão até sua forma moderna, biológica ou racializada. Para Nancy, o que se apresenta àquele que pesquisa o antissemitismo são as múltiplas formas como essa dobra essencial do Ocidente pôde e pode ganhar corpo, chegando (ou não) a situações de ódio extremo ao judeu e, nem sempre sob os mesmos aspectos, à mulher judia, atingindo, como no caso do nazismo, até mesmo o nível de um ódio que chega a se voltar contra o próprio cristianismo, na medida em que haveria nele ainda algo de um judaísmo do qual não pode ou não pôde se livrar – um anticristianismo, segundo Nancy, incubado no seio do cristianismo, um avesso a tudo que este ainda preservaria de errância e de não pertencimento a esse mundo.
SUMARIO
Nota da Tradução
Prefácio
Introdução
1 Banalidade
2 Historial e Espiritual
3 Autoimunidade
4 Extermínio
5 Onipotência
6 Revelação
7 Incompatibilidade
8 Judeu-Cristianismo
9 Ódio de Si
10 Mutação
11 Pulsões
12 Deus Antissemita
Notas Adicionais
Posfácio [Breno Isaac Benedykt]
FICHA TÉCNICA
Jean-Luc Nancy
Tradução, posfácio e notas: Breno Isaac Benedykt
Coleção [IBI002]
Assunto racismo, antissemitismo
IMPRESSO
brochura
12,5 x 20,5 cm
112 páginas
ISBN 978-65-5505-261-9
Lançamento 19 set
EBOOK
ISBN 978-65-5505-260-2
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